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Atriz refugiada estréia peça com drama de quem teve que deixar seu país

A angolana Ruth Mariana, em trecho de vídeo exibido durante a peça, escrita após pesquisa que incluiu uma viagem à fronteira (Divulgação/ONU Brasil/Reprodução)

De Angola, da República Democrática do Congo e da guerra para os palcos brasileiros. Esse é um resumo simples da trajetória de luta e perseverança de Ruth Mariana, refugiada que sempre sonhou em ser atriz e agora estrela o espetáculo “Kondima – Sobre Travessias”, no Rio de Janeiro.

Em cartaz no Teatro Sesc Copacabana desde o dia 8 de novembro, a peça “Kondima – Sobre Travessias” é uma mistura de documentário e teatro, ficção e realidade. Trata do drama das pessoas refugiadas pelo olhar delas mesmas, intercalando histórias contadas por quatro atores e a exibição de vídeos de notícias e relatos de refugiados de várias partes do mundo, como Síria, Haiti, Venezuela e Uganda.



Ruth e o espetáculo se misturam até no nome. “Kondima” é uma palavra do dialeto lingala que significa “acreditar” – justamente o verbo que sempre a moveu. A língua é falada em tribos de Angola e da República Democrática do Congo, onde ela nasceu e para onde se mudou quando criança, respectivamente. Fugiu do conflito, da violência bárbara contra as mulheres, e veio para o Brasil há três anos.

“Sempre amei o Brasil, meus filhos falam português pela minha origem angolana. E, por uma ironia da vida, estava pedindo visto para a Europa, mas consegui o brasileiro. Sou muito grata”, relembra.

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No Rio de Janeiro, ficou sabendo do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas num momento em que vivia uma situação difícil.

“Cheguei sofrida, não tinha nem roupas para os meus filhos. Tínhamos uma outra vida em Angola e aqui estava passando necessidades. Quando cheguei à Cáritas e vi o pessoal da África, fiquei muito feliz. Desde então, meu sorriso voltou.”

Protagonismo das pessoas refugiadas

Cena da peça “Kondima – Sobre Travessias”, protagonizada pela refugiada angolana Ruth Marian (Divulgação)

​Por meio da Cáritas, Ruth conseguiu realizar o desejo de atuar – a instituição inclusive é mencionada na peça. A equipe da companhia teatral Troupp Pas D’argent, que realiza o espetáculo, mergulhou no tema do refúgio durante um ano e meio, fazendo entrevistas e realizando filmagens em lugares tão distantes quanto Alemanha, França, Roraima (fronteira Brasil-Venezuela), São Paulo e Rio de Janeiro.

O objetivo era fundir realidade e ficção de forma que o público não conseguisse distinguir uma coisa da outra.

Desde o início, a intenção era incentivar o protagonismo de pessoas em situação de refúgio, segundo a diretora do espetáculo, Marcela Rodrigues. Buscaram, então, uma atriz refugiada com um perfil específico: mulher, negra, africana, com experiência ou não. Por uma indicação da equipe da Cáritas, chegaram até Ruth, que nunca havia atuado.

“Entramos em contato e na primeira reunião, no primeiro teste, nos apaixonamos pela Ruth”, conta a diretora. ​

A idealizadora do projeto, Natalíe Rodrigues, destaca ainda a dedicação da refugiada durante todo o processo. “Foi uma conexão instantânea. Ela trouxe tantas coisas importantes, de sensibilidade, e nos surpreendeu a cada encontro, a cada ensaio, com disponibilidade, vontade de se doar, de aprender e de ensinar”, elogia.

Sonho realizado

No fim de semana de estreia do espetáculo, Ruth foi homenageada pelos outros atores, que fizeram questão de destacar a força de vontade e a inspiração que ela representou para o resto da equipe.

A refugiada não abandonou seu outro trabalho para atuar, e ainda precisa cuidar dos filhos, mas garante que o sacrifício vale a pena.

“Sonho em ser atriz desde que estava na África. Me dá muito orgulho o meu primeiro trabalho ser sobre refúgio. Penso nas pessoas que morreram, penso ‘estou aqui por vocês’, pelas mulheres que são estupradas, mal-tratadas. Estou trabalhando para defendê-las e para gritar por elas.”

Ela também deseja que a peça percorra o Brasil e, quem sabe, outros países. Um desejo compartilhado com outra refugiada, a colombiana Ninibe Forero, que assistiu ao espetáculo.

“Tinha que ser obrigatório para todo mundo assistir, tinha que ser vista no mundo inteiro, porque consegue tocar qualquer pessoa. Temos contato com tudo o que falam, e isso faz parte da humanidade. É muito gratificante ver a reação do auditório no fim, porque dá pra ver que entendem um pouco mais a nossa condição.”

Para a idealizadora do projeto, a arte tem a missão de debater o que precisa ser debatido. “Nosso objetivo é comunicar com a plateia, mostrar que somos todos iguais, que olhar para o outro é o olhar para si, na construção de uma sociedade mais justa, mais harmoniosa, mais equilibrada, de um mundo que mais do que nunca precisa se comunicar através do amor, da generosidade e do respeito ao próximo”, conclui Natalíe Rodrigues.

Serviço

O espetáculo “Kondima – Sobre Travessias” fica em cartaz no SESC Copacabana até 25 de novembro, com sessões de quinta a domingo, às 19h.

Os ingressos saem a 7,50 reais (habilitado Sesc), 15 reais (meia-entrada) e 30 reais (inteira).

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