Justiça

Testemunha diz que PMs acusados de matar David mentiram em depoimento

Filmados sequestrando jovem que depois foi achado morto, PMs afirmaram que abordado seria um garoto de 15 anos; ouvido, adolescente negou: “estava em casa, a 9 km”

Alguns dos PMs que respondem pela morte de David durante audiência | Foto: Reprodução

O adolescente que consta como abordado pelos PMs acusados de terem matado David Nascimento dos Santos, 23 anos, no dia 24 de abril, prestou depoimento à Justiça militar nesta quinta-feira (9/7). Ele negou ter ido à Favela do Areião, no Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo, no dia do crime.

Ouvido sob condição de informante, o jovem, que tem 15 anos, declarou morar distante do local da abordagem. “Estudo em uma escola no Parque Continental, que é próximo da favela. Estava em casa [neste dia], fica a 9 km”, explica.

De acordo com a versão apresentada pelos PMs acusados de sequestrarem e matarem David, eles entraram na comunidade em busca de três suspeitos de roubar um motorista de aplicativo. Um dos abordados teria sido este jovem, conforme consta no boletim de ocorrência. O vendedor ambulante apareceu morto após ser levado da rua paralela à sua casa.

Durante a audiência, tanto os juízes do Tribunal Militar quanto o Ministério Público questionaram se ele frequentou em algum momento a Favela do Areião ou a Favela dos Porcos, onde David teria sido achado morto. “Nunca”, respondeu.

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Também questionaram se, em algum momento de sua vida, teria sido colocado dentro de uma viatura da polícia. “Nunca”, repetiu. Os policiais disseram que, na oportunidade, teriam levado o suspeito em carro oficial até um ponto da favela e, depois de as descrições não baterem com a dos procurados, teriam o liberado.

David Nascimento dos Santos, 23 anos, foi morto depois de ser colocado dentro de uma viatura do Baep, na periferia de SP | Foto: arquivo pessoal

Nesta audiência, o silêncio foi a resposta da defesa dos acusados, os policiais do 5º Batalhão de Operações Especiais 1º sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, 2º sargento Carlos Alberto dos Santos Lins, cabo Lucas dos Santos Espíndola, cabo Cristiano Gonçalves Machado, soldado Vagner da Silva Borges, soldado Antonio Carlos Rodrigues de Brito e soldado Cleber Firmino de Almeida.

Antes de a sessão ter início, o advogado Mauro Ribas pediu a palavra para dizer que era necessária a suspensão da audiência, segundo ele, pois o juiz Ronaldo João Roth demonstrou já ter “conclusão a respeito dos fatos” no trabalho anterior.

Para o defensor dos PMs, durante audiência feita no dia 7 de julho, Roth teria dado demonstrações de estar predisposto a condenar os policiais. “A condenação é inevitável, não importa qualquer coisa que possa vir”, argumentou, dizendo que os policiais estavam “indefesos”. 

No entanto, o julgamento não é exclusivo de Roth, pois a decisão tem como base um colegiado de cinco juízes. “Não precisamos suspender a sessão. [O pedido envolve] Só um, o outros quatro não são citados, podemos prosseguir”, afirmou o magistrado. O MP concordou. “É questão de ordem objetiva, não impedimento”, afirmou o promotor Edson Correa Batista.

Em seguida ao pedido, o advogado Mauro Ribas disse que permaneceria em silêncio dali por diante. Durante a sessão, de fato o defensor cumpriu o prometido. A negativa se deu quando teria oportunidade de questionar o jovem abordado e, também, o motorista de Uber vítima do crime, segunda testemunha a depor nesta quinta-feira.

O homem relembrou todo o assalto e a descrição dos três homens: um estava no banco traseiro e vestia uma calça jeans velha com bolsos grandes; um segundo, no banco do passageiro da frente, usava calça preta com uma risca amarela, uma camisa de mesmo tom e o ameaçava com uma arma.

Colocado no banco de trás, a vítima afirma que só conseguia ver a perna do motorista e não soube dizer se usava uma bermuda ou, então, se tinha puxado a calça para cima. “Muito provavelmente um dos indivíduos estava trajando bermuda”, disse, explicando ter dado essa informação aos PMs. “Falei a característica de todos eles. Do motorista vi a perna, possivelmente estava de bermuda”.

David foi encontrado morto com uma calça preta com logotipo do Corinthians e um calçado bege. Segundo seus familiares, ele esperava a entrega de um lanche que pedira pelo aplicativo iFood de bermuda e chinelo.

O motorista vítima do crime explicou não ter ouvido nenhum barulho de tiro enquanto permaneceu na Favela do Areião. Segundo os policiais, eles teriam sido recebidos a tiros quando tentaram abordar um homem atrás de um arbusto. Este homem, na versão dos policiais, seria David. 

Depois, a vítima conta que uma policial civil e um policial militar mostraram a foto de David a ele na delegacia. “Na foto, o homem estava em uma mesa, não no local [do crime]. Tive a impressão de que estava no IML, com cabeça para trás. Não tinha vestimentas”, relembra. “E eu disse que não vi o rosto, não posso falar que é. Outro policial tentou com meu celular que a imagem é melhor, mas eu não vi o rosto”.

Em entrevista à Ponte, o advogado Mauro Ribas afirmou que não poderia falar o que pensa sobre os trabalhos, mas que o julgamento pode estar sendo tendencioso. “Infelizmente o juízo está contaminado. Não tem condições de julgar esse caso, porque na audiência anterior já fez conclusões”, argumentou. 

O defensor afirma que o jovem ouvido hoje, de fato, não foi a pessoa abordada pelos policiais. “Nós já identificamos quem é, faremos ata notarial [registro] de cartório e vamos mostrar em momento oportuno”, explicou. Questionado se era um homônimo (pessoa com mesmo nome), repetiu que a pessoa será apresentada “em momento oportuno”. 

Advogado que representa a família de David, Raphael Blaselbauer avaliou a fala do adolescente supostamente abordado como principal ponto da audiência. “A fala do suposto rapaz abordado foi bastante interessante. Demonstra efetivamente que houve o uso de um documento falso [por parte dos PMs]. Desmonta mais uma vez a falácia toda desses agentes públicos para acobertar o crime que cometeram”, aponta.

A próxima audiência está agendada para o dia 14 de julho para dar prosseguimento às análises no Tribunal de Justiça Militar.

Por Arthur Stabile – Repórter da Ponte

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