Polícia

GCM atira pelas costas: ‘não me mata, sou filho de policial’

Por Maria Teresa Cruz

Gabriel Bignardi Vital, 17 anos, estava em uma moto, caiu depois de ser atingido e gritou: ‘não me mata, sou filho de policial’; frase fez guardas recuarem

Gabriel Bignardi Vital, 17 anos, com a camisa do trampo durante o almoço | Foto: arquivo pessoal

O estudante Gabriel Bignardi Vital, 17 anos, foi baleado pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) de Santo André, na Grande São Paulo, na noite desta quarta-feira (25/12), depois de não obedecer o sinal de parada em frente ao Parque Ana Brandão. Atingido nas nádegas, ele passou por uma cirurgia nesta quinta-feira (26/12) e segue em recuperação no Hospital Mario Covas.

Tanto na nota oficial da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) quanto em alguns portais locais de notícias, Gabriel foi tratado como um suspeito que “demonstrou estar armado” e, por isso, foi baleado. Um roteiro até comum em versões oficiais de ações envolvendo agentes de segurança. 

Mas Gabriel não estava armado, segundo a família, e simplesmente ficou assustado com o pedido de parar. Fã de motos, ele vai completar 18 anos em agosto do ano que vem, mas, juntando as economias do salário de menor aprendiz, decidiu começar a pagar uma motocicleta. Por ainda ter 17 anos, foi a mãe dele, Patrícia, quem tirou o veículo no nome dela. 

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Filho de pais separados e criado com muita dificuldade, o estudante do último ano do ensino médio morava com a mãe, de quem teve que se despedir no último sábado (21/12). Aos 47 anos, Patrícia não resistiu a uma infecção bacteriana nos pulmões e morreu de insuficiência respiratória. 

Patrícia foi enterrada no domingo e, ainda de luto, Gabriel decidiu ficar com familiares no dia de Natal para tentar amenizar a dor da perda e a saudade. Mesmo sem habilitação, pensou que nada daria errado porque a distância era de menos de 3 quilômetros entre a sua casa e a de familiares onde foi passar o dia. Na volta, na Rua Professor Garrete, Gabriel atravessou o sinal. “O erro foi não parar, mas nada, nada justifica terem atirado da forma como atiraram”, desabafa Guerreiro Vital, líder comunitário e tio da vítima. 

“Imagino que quando a GCM mandou ele parar, ele pensou na moto que estava com documento no nome da mãe, que não tinha habilitação, deve ter ficado assustado”, segue. Depois de ser baleado, Gabriel caiu e os guardas correram até ele. “Por uma ironia, meu irmão [pai do Gabriel] é guarda municipal. Foi então que o Gabriel gritou: ‘não me mata, sou filho de polícia’. Foi a sorte, foi o grito antes da morte, foi o que salvou. Os guardas baixaram as armas, mas mesmo assim se aproximaram e chegaram a pisar no ferimento dele”, conta.

Vital gravou um vídeo em frente ao hospital onde Gabriel foi socorrido em que discute a abordagem com a GCM. “Não pode atirar na pessoa, vocês estão loucos?”, grita. E a guarda retruca: “Se a pessoa está fugindo é porque deve”. O líder comunitário questiona então onde estaria a arma que alegaram que estava com o sobrinho, mas ninguém responde. 

Vital destaca que Gabriel é um bom menino e que ainda está sob o impacto da perda da mãe. Uma das maiores indignações do líder comunitário foi o assassinato de reputação do sobrinho promovido em redes sociais e alguns portais de notícias logo após a ocorrência.

“Eu quero honrar a história de vida dele. Nunca imaginei que isso ia acontecer na minha família. Aí quando chegou, vou te dizer…. isso destrói a reputação. Meu sobrinho na ambulância, baleado, indo pro hospital e nas redes a moral dele sendo destruída. É revoltante”, desabafou.

Por fim, a família afirma que não consegui fazer o registro da ocorrência da forma como quiseram. “O B.O. foi a versão deles, de que ele não parou e isso obrigou os guardas a atirarem. Falaram que ele colocou a mão na cintura e estava armado. Ele não estava armado”, frisa Vital, que enviou, no fim da noite desta quinta-feira, uma foto de Gabriel já no quarto mandando um salve para a Ponte.

Gabriel manda um salve pra Ponte | Foto: arquivo pessoal

Guerreiro Vital que é idealizador do projeto “Sim, nós podemos” traz uma triste lembrança sobre o local onde o sobrinho foi baleado, bem perto da Favela do Amor. “É a mesma região onde o Lucas sumiu”, lamenta ao contar que Gabriel conhecia Lucas e que ambos fizeram parte do projeto artístico que ele cuida, que busca transformação através da arte. Lucas Eduardo Martins dos Santos é um menino de 14 anos que desapareceu após abordagem da PM e pouco depois seu corpo foi encontrado. 

Em nota, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informa que “guardas municipais estavam em patrulhamento quando avistaram uma motocicleta ultrapassando um sinal semafórico, deram ordem de parada, mas os suspeito não parou”.

Ainda, segundo a versão oficial, “o rapaz colocava a mão na região na cintura, demostrando estar armado e um dos guardas efetuou um disparo.
O caso foi registrado como desobediência. dirigir sem permissão ou habilitação, localização/apreensão de veículo e localização / apreensão de objeto pelo 1°DP de Santo André”.

A reportagem procurou também a GCM de Santo André para questionar sobre a ação, mas até o momento não houve resposta.

*Esta reportagem foi publicada originalmente pela Ponte.

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