Capital

Medo e luto: como foi o 1º baile funk de Paraisópolis após mortes

Por Arthur Stabile

Exatamente uma semana depois de 9 pessoas morrerem pisoteadas, fluxo lembra dos mortos em ação da PM e tem tamanho reduzido pelo medo

Primeira edição do baile da DZ7, logo após o massacre ocorrido na comunidade. Local: Paraisópolis-SP. Data: 08/12/2019. Foto: Sérgio Silva.

O funk toca nas caixas de som em cima dos carros ou improvisadas na calçada. A molecada curte seu rolê dando uns passinhos, tomando seus drinks e na função dos amores casuais. Assim foi o baile da DZ7, na favela de Paraisópolis, zona sul da cidade de São Paulo, na madrugada deste domingo (8/12). Porém, o baile não tinha a mesma pegada de uma semana atrás, quando nove pessoas morreram pisoteadas no massacre decorrente da ação da PM. 

Fluxo na rua Ernest Renan, coração de Paraisópolis e do Baile da DZ7
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16, Denys Henrique Quirino da Silva, 16, Mateus dos Santos Costa, 23, Eduardo da Silva, 21, Luara Victoria Oliveira, 18, Gabriel Rogério de Moraes, 20, Dennys Franca, 16, e Gustavo Cruz Xavier, 14, não resistiram aos ferimentos e morreram asfixiados ou pelos danos causados pelo pisoteamento. A PM argumenta que agiu após uma moto furar um bloqueio, entrar no baile e atirar contra os policiais, que teriam reagido.

Padre Luciano Borges, pároco da comunidade, acompanhou o baile pela primeira vez
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

O tamanho do baile deste domingo era extremamente inferior ao comum, o clima ainda carregava o peso do luto. Frequentadores da DZ7 estimam que o público não seria nem 10% de dias normais antes do massacre. “Não tá normal, não. Essa rua aqui é lotada”, conta o DJ RK, apontando para a Rodolfo Lotze, uma das ruas que cruza a Ernest Renan, local onde é feito o baile. “Tem muita gente com medo, principalmente quem é de fora. Pelo acontecido, resolveram não colar”, prossegue. O baile rolou mais como homenagem às vítimas do que pela diversão individual de quem estava ali.

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Participantes cobravam paz na quebrada (Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

A vida na quebrada não parou por conta do massacre, mas quem esteve em Paraisópolis fez questão de lembrar dos seus que se foram. Era possível ver parte dos participantes da festa com camisetas pedindo paz na quebrada. Os modelos foram confeccionados especialmente para o evento em que se completa uma semana da tragédia.

Festa aconteceu com menor quantidade de pessoas, reflexo do medo causado pela ação da PM
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

O MC GH transformou sua revolta em letra. Como publicado pela Ponte na sexta-feira (6/12), o músico criou uma letra para homenagear as vítimas do massacre e pedir paz. “Tive a ideia vendo comentários na internet sobre o que aconteceu. Diziam que, se eles não estivessem aqui ainda estariam vivos. Me revoltou e a letra saiu na hora”, explica GH.

MC GH, autor de funk de protesto após o massacre de Paraisópolis
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

Além de funkeiros, o baile da DZ7 contou com a participação de religiosos neste domingo. Pároco de Paraisópolis, o padre Luciano Borges esteve pela primeira vez no baile. “É um momento em que nós precisamos pensar, a atuação como igreja, de prevenção de vidas. Quem vai à igreja, vai buscar a paz. Aqui é um espaço de cultura e deve ser respeitado pela polícia. Não deve ser marginalizado, como muitas vezes acaba sendo”, comentou.

Primeira edição do baile da DZ7, logo após o massacre ocorrido na comunidade. Local: Paraisópolis-SP. (Sérgio Silva/Ponte Jornalismo).

Assim como a letra do MC GH, os moradores deixam claro que as mortes não são um acidente de percurso. Ressaltam em suas falas que a ação da PM provocou as mortes e que era possível um final diferente do que aconteceu. “A gente vem para zuar, só isso. É a nossa diversão”, contra o estudante Pedro Henrique Dias, 17 anos.

Para MC RK, tamanho do baile deste domingo não era “10%” do que costuma ser
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

O rapaz conversa com a reportagem mexendo em um guarda-chuva da marca Oakley. Segundo ele, é uma forma de chamar a atenção das garotas. E tem efeito, apesar do alto investimento. “Tem uns modelos que custam até R$ 5 mil. Esse aqui é menos, custa R$ 150, mas já dá uma moral”, continua. 

Beco em que sete das nove vítimas do massacre morreram pisoteadas
(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

O rolê é juntar os amigos, montar seu bonde e zuar na rua com o som alto, as bebidas, os passinhos e até com sinalizadores. A rua dá lugar a todo o contexto do funk, que cai a madrugada sendo a diversão da galera. “É bom demais, mano. Venho toda semana na DZ7, é de lei”, diz Thiago Lima, 20 anos, desempregado.

Mais do que zuação, o baile é um espaço para deixar os problemas de lado, como a própria falta de emprego. Dessa vez, no entanto, a DZ7 carregou consigo um teor diferente com as homenagens às nove vítimas. O funk do MC GH ressoou pela quebrada como forma de protesto, de nunca se esquecer dos que se foram.

(Sérgio Silva/Ponte Jornalismo)

Os momentos de memória revesavam com os de diversão. Afinal de contas, a DZ7 existe para isso: juntar gente da comunidade e de fora para aproveitar a vida, zuar. Não havia nenhuma viatura policial dentro da favela, apenas em seu entorno. Segundo os participantes, não tiveram nenhum problema para chegar ou ficar no baile.

*Esta reportagem foi publicada originalmente neste link: https://ponte.org/primeiro-baile-da-dz7-apos-massacre-de-paraisopolis-homenageia-vitimas/

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