Funcionário denuncia tortura de internos na Fundação Casa
Um funcionário da Fundação Casa, espaço para adolescentes em conflito com a lei em São Paulo, denuncia que parte dos jovens tem sido torturada por funcionários. A violência aconteceria em uma casa da unidade Vila Maria, na capital paulista.
Segundo o relato, os trabalhadores que cuidam da segurança do local no período noturno agridem os jovens noite adentro e os ameaçam de “fazer pior” se a situação for divulgada.
Em uma dessas agressões, conta que a vítima chegou a desmaiar, o que forçou atendimento médico na enfermaria. As agressões seriam na Casa Ouro Preto, uma das divisões da Vila Maria.
“Não é o primeiro menino que vejo. Geralmente são os muito frágeis, que não tem família, criança carente, e aproveitam mesmo”, explica o trabalhador, em conversa sob anonimato com a Ponte.
Para justificar os cuidados, os funcionários o teriam obrigado a falar que brigou com outro rapaz e culpá-lo pelos ferimentos. O caso virou uma ocorrência na Polícia Civil, como confirmado pela própria Fundação Casa.
Segundo a assessoria de imprensa, no dia 11 de setembro um adolescente acusou um servidor de agressão, mas depois teria recuado. Por conta disso, registrou-se a ocorrência – a assessoria não informa em qual delegacia.
Como divulgado pela Ponte em 6 de setembro, as unidades da Fundação somam mil casos de contaminações pelo coronavírus entre funcionários e adolescentes internados.
O trabalhador que denuncia a violação afirma que os machucados nos jovens internados podem ser vistos no período da manhã.
“Espancam meninos de noite, me espantei com o grau de violência que estão atuando. Não é um tapa, um apavoro, é um espancamento. É uma maldade muito grande, difícil vê-los de manhã cedo já com o rosto inchado”, afirma.
Segundo esta pessoa, a falta de visitas é um ponto usado por quem os agride. “Os meninos não têm com quem falar. Vêem os familiares por vídeo e falam na frente dos técnicos”, detalha.
Há dois relatos de motivos que desencadearam a violência: “Um me apontou que, na hora de contar, não podia cruzar as pernas e ele cruzou, por isso apanhou. Outro apanhou por ter fama de homossexual, o que vira motivo para agressão, e falou algo que não foi bem interpretado”, detalha o profissional.
O advogado Ariel de Castro Alves, integrante do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), considera que a denúncia deve ser apurada.
Caso comprovadas a tortura e a ameaça, os funcionários agressores podem responder pelos crimes de tortura com agravante por ser funcionário público (pena de 2 a 8 anos de prisão) e ameaça (detenção de uma seis meses).
Para ele, a falta de visitas contribui para a tortura, como dito pelo profissional da Fundação. “O ambiente ficou mais propício para alguns funcionários praticarem torturas e maus-tratos. Sabem que os jovens estão reféns deles nesse período”, pontua.
Uma forma de possibilitar as denúncias são cartas, mas na pandemia ocorre o controle do que é dito pelos garotos. “As cartas dos internos aos familiares são todas violadas e não conseguem denunciar”.
O defensor cita que a Ouvidoria da Fundação Casa deveria funcionar como controlador de violações, o que não ocorre na prática por não ser “isenta e independente”, o que a torna “inoperante”.
“Os funcionários, internos e familiares não confiam na Ouvidoria. O ouvidor é alguém com cargo de confiança e não é indicado pela sociedade civil”, justifica.
A Ponte questionou a Fundação Casa sobre a denúncia. Além de explicar o caso ocorrido no dia 11 de setembro, a assessoria de imprensa explicou que a Corregedoria Geral da Fundação já investiga a situação da Casa Ouro Preto.
“A Instituição ainda esclarece que, os casos de supostas agressões físicas a adolescentes sob responsabilidade desta Fundação são rigorosamente apurados, garantido o amplo contraditório”, assegura a Fundação, em nota.
Ainda explica que, caso seja confirmada um “conduta faltosa”, o funcionário está sujeito a advertência, suspensão ou demissão por justa causa.
“A Fundação CASA esclarece que respeita os direitos humanos dos adolescentes e funcionários, repudiando toda forma de violência em seus centros socioeducativos”.