STF concede prisão domiciliar para Daniel Silveira
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou neste domingo (14/03) a substituição da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por prisão domiciliar.
De acordo com a decisão, Silveira será monitorado com tornozeleira eletrônica. Moraes ainda determinou a expedição de um relatório semanal pela central de monitoramento eletrônico.
Silveira não poderá sair da sua residência e foi proibido de receber visitas sem autorização judicial ou de entrar em contato com outros investigados no âmbito dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.
Por outro lado, Moraes autorizou Silveira a exercer seu mandato parlamentar, de forma remota, a partir da sua residência, por meio por meio do sistema eletrônico da Câmara, o Sistema de Deliberação Remota (SDR), que permite votação e discussão à distância.
O ministro ainda reforçou a ordem que proíbe Silveira de acessar e publicar em redes sociais, que já estava em vigor. Agora, o deputado não pode nem usar estratagemas como publicar em nome da sua assessoria. Silveira ainda foi proibido de conceder entrevistas.
Inicialmente, a defesa do deputado havia pedido ao Supremo a concessão da liberdade provisória. Alexandre de Moraes indeferiu o pedido, mas entendeu que a prisão preventiva poderia ser substituída por outras medidas cautelares.
Apesar de conceder a prisão domiciliar, Moraes manteve a avaliação de que Silveira praticou “reiteradas condutas ilícitas”, as quais “revelam sua periculosidade”. Silveira passou as últimas semanas preso na sede de num batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Prisão
Daniel Silveira foi preso na noite de 16 de fevereiro por ordem de Moraes, pouco depois de publicar um vídeo em sua redes sociais com ataques virulentos ao Supremo Tribunal Federal. Em cerca de 20 minutos de vídeo, Silveira usou palavras como “vagabundo”, “filha da puta”, “bosta” e “idiota” para se referir aos ministros.
Ele ainda manifestou desejo de que os juízes da Corte fossem agredidos fisicamente e fez apologia ao AI-5, o ato institucional da ditadura de 1964 que resultou no fechamento do Congresso e na suspensão do habeas corpus, entre outras medidas autoritárias.
O deputado também acusou – sem provas – ministros da Corte de trabalharem para organizações criminosas, venderem sentenças e até de terem pênis pequeno. O vídeo foi retirado do ar.
Silveira gravou o vídeo usando como gancho um episódio envolvendo o ministro do STF Edson Fachin e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas um dia antes. Na ocasião, o general usou o Twitter para debochar de uma crítica tardia do ministro a um tuíte com ameaças veladas ao STF que o militar publicou em 2018, quando a Corte analisava um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula.
O assunto havia voltado aos holofotes na semana passada após a publicação de um livro de memórias de Villas Bôas em que o general fala sobre o episódio, revelando que à época seus posicionamentos contra o STF e uma eventual soltura de Lula eram ainda mais extremos do que o divulgado inicialmente.
“Três anos depois”, escreveu Villas Bôas para o ministro no Twitter, em uma alusão ao tempo que Fachin demorou para manifestar sua crítica. À época da pressão de Villas Bôas sobre o Supremo, apenas o então ministro Celso de Mello criticou publicamente o general.
As farpas entre Fachin e o general acabaram inspirando o deputado Silveira, conhecido pela suas posições extremistas e golpistas e por distribuir ofensas na internet para jornalistas e desafetos, a renovar ataques ao STF e a defender Villas Bôas.
Silveira já era investigado no âmbito dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos que foram abertos pelo STF entre 2019 e 2020, e que têm como alvo diversos membros do círculo do presidente Jair Bolsonaro. Investigações também já apontaram a participação dos filhos do presidente na disseminação de notícias falsas em larga escala.
Após a publicação do vídeo, o deputado foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos e com base na Lei de Segurança Nacional. Silveira foi especificamente acusado de praticar agressões verbais e ameaças contra os ministros do STF para favorecer interesse próprio; estimular o uso de violência para tentar impedir o livre exercício dos poderes; e incitar a animosidade entre Forças Armadas e STF.
A prisão em flagrante de Silveira foi inicialmente mantida por unanimidade pelos 11 ministros do Supremo, mas levantou questionamentos entre alguns juristas, que contestaram o mecanismo de “infração permanente”, usado pelo ministro Alexandre de Moraes para determinar a prisão do deputado. Posteriormente, a Câmara, por larga maioria, votou pela manutenção da prisão.
Apesar de criticarem a forma como a prisão ocorreu, muitos deputados decidiram não confrontar o STF por causa de um parlamentar como Silveira, um deputado de primeiro mandato e pouco quisto entre seus pares na Câmara por causa do seu comportamento errático e agressivo. Neste caso, não houve “espirito de corpo” para uma figura estranha como Silveira.
Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro evitou se manifestar sobre o assunto, apesar da pressão da sua base de extrema direita, que cobrou apoio para o radical Silveira. Na metade do ano passado, Bolsonaro começou a cultivar um relacionamento menos conflituoso com o STF, após as encrencas do seu círculo pessoal e família com a Justiça ameaçarem a continuidade do seu governo.
Uma carreira problemática
Silveira, um ex-PM, ficou conhecido nas eleições de 2018 quando quebrou uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco durante um ato de campanha. A vereadora é um alvo constante da extrema direita bolsonarista, que costuma espalhar mentiras sobre sua atuação e piadas macabras sobre sua morte.
Antes de ser eleito deputado federal com mais de 30 mil votos, Silveira teve uma carreira medíocre de cinco anos na Polícia Militar do Rio de Janeiro, acumulando dezenas de sanções e repreensões administrativas. Chegou a passar mais de 70 dias na prisão. À época em que foi eleito, Silveira corria o risco de ser expulso da corporação por “mau comportamento, faltas e atrasos”.
Antes de ser PM, ele havia sido cobrador de ônibus, e chegou a ser investigado pela polícia por apresentar atestados médicos falsos para faltar ao trabalho e ainda sofreu uma prisão por suspeita de venda ilegal de anabolizantes em academias de Petrópolis (RJ).
Na Câmara, sua atuação também tem sido tumultuada. Ele logo passou a tentar emular o estilo que tornou Jair Bolsonaro famoso no final dos anos 1990 e ao longo da década de 2000, distribuindo ofensas e comentários ultrajantes.
Antes mesmo de tomar posse, Silveira e outros deputados de extrema direita viajaram à China numa espécie de “trem da alegria” financiado pelo governo chinês para agradar políticos novatos sob o pretexto de divulgar uma tecnologia de reconhecimento facial. Os deputados acabaram sendo alvos de críticas até mesmo de ativistas de extrema direita, como o ideólogo radical Olavo de Carvalho.
Recentemente, Silveira tentou argumentar de maneira pouco convincente que viajou ao país asiático para revelar uma suposta conspiração sino-comunista para dominar o Brasil. Em outubro de 2019, ele tentou forçar sua entrada numa escola do Rio de Janeiro sob o pretexto de investigar materiais com conotação política em ambiente escolar.
Ele apresentou ainda dezenas de projetos, sempre de acordo com ideias da extrema direita, como uma proposta para classificar o movimento antifa como “grupo terrorista” e um projeto para impedir que pessoas que recusem vacinas não possam ser demitidas por esse motivo.
Mesmo após a prisão, Silveira continuou a exibir comportamento agressivo. Ele se recusou a usar máscara dentro da delegacia e levantou a voz contra uma perita. Já apoiadores do deputado compareceram em frente à delegacia no Rio de Janeiro e agrediram brutalmente um homem que levantou uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco. Alguns gritaram que “Marielle levou pouco tiro”, segundo jornalistas que acompanharam a cena.
A prisão também levantou questões sobre uma clara complacência das autoridades policiais com o comportamento do deputado. Ele não foi acusado de desacato por gritar contra a perita. Agentes da PF também deixaram o deputado gravar mais um vídeo com críticas ao Supremo antes de levá-lo para a delegacia. Os policiais também aparentemente não fizeram nada para impedir as agressões de apoiadores de Silveira.
Ainda foram encontrados dois celulares na sala da sede da PF em que o deputado ficou detido, antes de ser levado a um Batalhão Prisional da PM. A corregedoria da PF abriu sindicância para apurar o episódio. No mesmo dia, Silveira caminhou livremente pelo pátio do batalhão e cumprimentou apoiadores que foram até o portão, voltando a fazer ameaças ao STF.\
Por Deutsche Welle