Varíola dos macacos: vírus sofreu mais de 50 mutações desde 2018
O vírus da varíola dos macacos que se espalha pelos Estados Unidos e na Europa está sofrendo mutações surpreendentemente rápidas, de acordo com um estudo realizado por investigadores portugueses e publicado na revista Nature Medicine. Ele oferece a visão mais aprofundada da composição genética do vírus até agora.
Os cientistas sequenciam genomas de vírus porque ele é o “manual” dos patógenos – ou seja, seu material genético nos dá informações sobre o que é o vírus, o que faz e como é provável que se espalhe.
Vírus sofreu mutação 50 vezes desde 2018
Para o estudo, os pesquisadores coletaram amostras de 15 pacientes com a doença e compararam os genomas do vírus que os infectou. Constatou-se que cada um dos pacientes tinha uma cepa de varíola dos macacos que pode ser rastreada até um surto anterior do vírus, em 2018-2019 no Reino Unido, em Israel e Cingapura, e que se originou na Nigéria.
Mais do que isso, porém, os testes mostraram que o vírus sofreu mutações 50 vezes – até 12 vezes mais do que o esperado – desde o surto anterior em 2018.
“Esses dados desafiam completamente o que se sabe sobre a taxa de mutação da varíola dos macacos”, disse o autor do estudo, João Paulo Gomes, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde de Portugal.
Variante da África Ocidental tem baixa taxa de mortalidade
Já se dispunha de alguns dados sobre o vírus, mas o novo sequenciamento do genoma ajudou os pesquisadores a entenderem melhor o surto atual. Primeiro, que a cepa está sofrendo mutações num ritmo incomumente rápido. Em segundo lugar, o surto provavelmente começou com um único caso, infectando outros alvos num grande evento de superdisseminação.
A cepa faz parte do clado da varíola dos macacos da África Ocidental, que é comumente relatado no oeste de Camarões e Serra Leoa, e tem uma taxa de mortalidade inferior a 1%. Clado, ou ramo, é definido como um grupo de organismos que podem ser rastreados até ancestrais comuns ou uma linhagem genética comum.
Há outro clado comum de varíola dos macacos, conhecido como “Central Africano”, que está mais presente na bacia do Congo e tem taxas de mortalidade de até 10%.
Período de incubação dificulta rastreamento
O período de incubação, que varia de cinco a 21 dias, dificulta o rastreamento do movimento do vírus. A Organização Mundial da Saúde identificou o “caso índice” – o primeiro caso confirmado – como um individuo que viajou da Nigéria para os Estados Unidos no início de maio.
Mas os investigadores em Portugal contestam essa ideia porque haveria casos confirmados em Portugal e no Reino Unido no fim de abril.
Se os pesquisadores em Portugal estiverem corretos, sabe-se menos do que se pensava sobre o surto atual, incluindo como ele evoluiu e o que provavelmente fará a seguir.
Onde o surto começou?
Os autores do estudo consideram muito provável o vírus ter sido importado de um país onde a varíola dos macacos é endêmica, como a Nigéria, mas não descartam outras possibilidades.
Eles acreditam também ser possível, por exemplo, que ele tenha se espalhado de modo despercebido entre humanos e/ou outros animais em países não endêmicos, como o Reino Unido ou Cingapura, após o surto de 2018-2019.
Além disso, não está claro se a versão mutante é pior do que a versão original. “Os autores descrevem um número inesperadamente alto de mutações do vírus, mas suas implicações para a gravidade ou transmissibilidade da doença não são claras”, ressalvou Hugh Adler, pesquisador da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, em resposta ao artigo.
“Não identificamos nenhuma mudança na gravidade da doença clínica em pacientes diagnosticados no surto atual”, disse Adler, que trabalhou com pacientes com varíola no Reino Unido durante surtos anteriores. Ele não participou da pesquisa.
Pesquisas ainda estão no começo
O causador da varíola dos macacos é um vírus zoonótico de DNA de fita dupla. Os vírus de DNA sofrem mutações mais lentas do que os vírus de RNA, como o que causa covid-19.
Mas em geral não há muito conhecimento sobre a varíola dos macacos. Os pesquisadores em Portugal, por exemplo, citam apenas um único outro estudo sobre a genética do vírus.
Segundo Adler, o estudo da genética do vírus “ainda está em sua infância”: “Temos a sequência do genoma, então temos uma ideia de quais são os genes. Mas, em termos de realmente entender o que eles fazem e as implicações para a evolução, se os genes mudam, há muito pouca pesquisa sobre isso, em comparação com muitos outros grandes vírus que conhecemos.”
O pesquisador de medicina tropical saúda a pesquisa de Portugal por fornecer novos fatos “fascinantes” sobre a biologia da varíola, mas sugere que o estudo só ocorreu devido à disseminação atual do vírus em países de alta renda.
“Como sempre, se a comunidade global tivesse aplicado esses mesmos recursos científicos aos surtos de varíola dos macacos na África, já poderíamos ter uma base de conhecimento mais forte.”
A doença foi descoberta pela primeira vez num macaco em 1958, e o primeiro caso humano foi em 1970, numa criança da República Democrática do Congo.