“O Facebook está dilacerando nossas sociedades”, diz ex-funcionária
Uma ex-funcionária do Facebook se identificou como a responsável pelo vazamento de informações internas do gigante das mídias sociais sobre efeitos nocivos que plataformas da empresa podem exercer sobre usuários adolescentes.
Frances Haugen, de 37 anos, revelou neste domingo (03/10) em entrevista à emissora americana CBS ter sido ela a responsável pelo repasse ao Wall Street Journal de dados de pesquisas realizadas pelo próprio Facebook sobre influências de serviços do grupo à saúde mental de adolescentes e que colocaram recentemente o Facebook sob intensa pressão política nos EUA.
A ex-gerente de produto do grupo acusou seu ex-empregador de colocar sistematicamente o lucro acima da segurança de seus usuários. “O Facebook paga seus lucros com nossa segurança”, disse Haugen.
Ela já trabalhou para outras empresas do setor, como Google e Pinterest, mas disse que o Facebook é “significativamente pior” do que qualquer coisa que ela já viu.
“A versão atual do Facebook está dilacerando nossas sociedades e levando à violência étnica em todo o mundo”, afirmou.
“Inspirar raiva é mais fácil”
O Wall Street Journal relatou que o Facebook, através de suas próprias investigações, havia chegado à conclusão de que especialmente sua plataforma social Instagram pode ser prejudicial à saúde mental de adolescentes. O jornal citou uma frase em que a companhia reconhece que o serviço contribui para piorar e percepção do próprio corpo de “um em cada três adolescentes”.
Haugen – que deixou o Facebook em maio, após cerca de dois anos na empresa – ressaltou que o algoritmo que determina qual conteúdo é exibido para os usuários é projetado para evocar uma reação. E pesquisas realizadas pela própria empresa mostraram que “é mais fácil inspirar as pessoas a terem raiva do que para outras emoções”, disse Haugen.
“Quando vivemos num ambiente de informações que é repleto de conteúdo de ódio e polarizador, isso faz erodir nossa confiança cívica, a fé que temos uns nos outros, a habilidade que temos de querer nos importar uns com os outros”, disse.
“O Facebook percebeu que, ao modificar o algoritmo para ser mais seguro, as pessoas gastam menos tempo na página e clicam menos em anúncios”, o que faz com que a empresa ganhe menos dinheiro.
Ela disse que durante a eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos, a empresa percebeu o perigo que tal conteúdo representava e ativou sistemas de segurança para reduzi-lo. “Mas assim que as eleições terminaram, eles voltam atrás ou mudam as configurações de volta para o que era antes, para priorizar o crescimento em vez da segurança, e isso realmente parece uma traição à democracia para mim”, ressaltou.
“Havia conflitos de interesse entre o que era bom para o público e o que era bom para o Facebook”, disse Haugen no programa 60 Minutes, da emissora CBS.
A ex-funcionária do Facebook deve testemunhar no Congresso dos EUA nesta terça-feira. “As ações do Facebook deixam claro que não podemos confiar em seu autopoliciamento. Devemos considerar uma supervisão mais forte”, disse o senador Richard Blumenthal, referindo-se à entrevista veiculada na CBS.
Transtornos alimentares e depressão
O Instagram, que pertence ao Facebook, e outras plataformas que dependem da encenação virtual praticada por seus usuários vêm sendo repetidamente criticadas por não fornecerem aos menores, em particular, proteção adequada contra agressões e danos que possam sofrer – como cyberbullying e problemas psicológicos.
A série de reportagens publicadas pelo Wall Street Journal nas últimas semanas revelou, entre outras coisas, que uma pesquisa do Facebook sobre a influência do Instagram constatou que a plataforma social pode reforçar, entre adolescentes, a insatisfação com a imagem do próprio corpo, especialmente entre meninas, podendo levar a transtornos alimentares e depressão.
Após a publicação da reportagem, o Facebook afirmou haver mais dados dos mesmos estudos em que os adolescentes apontaram outros temas como úteis. Ainda assim, após uma onda de críticas, o Facebook decidiu suspender – mas não abandonar – o desenvolvimento de uma versão do Instagram para crianças abaixo dos 13 anos, o Instagram Kids.
Por Deutsche Welle
md/lf (AFP, DPA)