PM negociava comissão de US$ 0,25 por dose de vacina, indicam mensagens
Luiz Paulo Dominguetti – cabo da Polícia Militar que causou tumulto ao depor na CPI da Pandemia na semana passada, após denunciar a cobrança de propina no Ministério da Saúde para a compra de vacinas contra a covid-19, negociava uma comissão de 25 centavos de dólar por dose de imunizante, segundo mensagens de seu celular.
O aparelho telefônico de Dominguetti, que que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, foi apreendido durante seu depoimento à CPI, e o programa Fantástico, da TV Globo, teve acesso exclusivo a algumas das mensagens trocadas pelo PM.
A reportagem destacou que o celular ainda está sob perícia, mas que cerca de 900 caixas de diálogos em aplicativos de mensagens já passaram por uma análise preliminar.
Segundo o Fantástico, no último dia 10 de fevereiro, Dominguetti enviou a seguinte mensagem a um contato identificado como Guilherme Filho Odilon: “Estamos negociando algumas vacinas em números superior [sic] a 3 milhões de doses. Neste caso a comissão fica em 25 centavos de dólar por dose.” À CPI, Dominguetti havia falado em 20 centavos de dólar.
“[O] que estamos fazendo é pegar o volume da comissão e dividimos [sic] de forma igual a todos os envolvidos, claro que proporcionalmente aos grupos. Sendo três pessoas, eu, você e seu parceiro, não teria objeções em avançar neste sentido”, completou.
Em seguida, Odilon pergunta: “Caso quem assina venha a pedir alguma coisa, podemos ver entre nós três para viabilizar?” E Dominguetti responde: “Ajustamos.”
Em 18 de fevereiro, Dominguetti teria voltado a escrever a Odilon: “Vacina AstraZeneca, valor 3,97 us (dose). Capacidade de entrega imediato 100 milhões de doses. Venda direto AstraZeneca.” Odilon teria então dito que ainda aguardava documentação “do grupo”.
Segundo investigadores citados pelo Fantástico, a análise preliminar das mensagens no celular de Dominguetti revelam que ele também negociava outros imunizantes além do da AstraZeneca.
Lacunas
A Davati Medical, que Dominguetti diz representar, foi formada em 2020 e tem apenas três funcionários. E, em nota, a AstraZeneca afirmou não ter intermediários no Brasil.
Ainda não se sabe quem é Odilon, que chegou a ser citado por Dominguetti à CPI. “Odilon é o parceiro que me apresentou ao coronel Blanco”, afirmou o PM aos senadores, dizendo que não se tratava de um militar e não saber seu nome completo.
O tenente-coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, por sua vez, foi assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde até a última quarta, quando foi exonerado.
Segundo Dominguetti o coronel Blanco teria feito a ponte com Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o PM acusou Dias de cobrar propina em nome de “um grupo dentro do ministério”, e o diretor foi exonerado do cargo no mesmo dia.
Nas mensagens obtidas pelo Fantástico, Dominguetti também se comunica e cita outras pessoas cuja identidade ainda não foi esclarecida pela CPI, entre eles coronel Guerra, Serafim e Herman – que é o mesmo nome do presidente da Davati, Herman Cárdenas.
Dominguetti na CPI
O depoimento de Dominguetti, na última quinta-feira, marcou uma das sessões mais conturbadas da CPI da Pandemia até o momento. Ele disse à Folha e depois aos senadores que Dias e outros membros do Ministério da Saúde queriam uma propina de 1 dólar por dose de vacina fornecida pela Davati.
Ao senadores, ele disse que desde janeiro tinha um acordo verbal com Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, para negociar em nome da empresa a venda de 400 milhões de doses da AstraZeneca pelo valor de 3,50 dólares a dose ao governo brasileiro. Ele afirmou ter oficializado em abril seu vínculo com a Davati.
Segundo Dominguetti, Dias teria dito que era necessário aumentar o valor, em 1 dólar por dose, que serviria para propina para “um grupo dentro do ministério”. Dominguetti afirmou ter recusado o pedido de propina, e teria ouvido de Dias que, sem o valor adicional por dose, não haveria negócio com o governo.
Quando estava sendo interrogado pelo senador Humberto Costa, Dominguetti afirmou que havia sido informado por Carvalho de que outros políticos estavam procurando a empresa para intermediar a venda das doses ao governo brasileiro.
Segundo Dominguetti, Carvalho relatou que o deputado Luis Miranda era um dos que mais insistia para intermediar essa venda. E apresentou à CPI um áudio do deputado, que disse ter recebido de Carvalho em 24 de junho por WhatsApp – portanto depois de Miranda ter feito a denúncia sobre o caso Covaxin.
No áudio, Luis Miranda menciona ter um comprador interessado em adquirir um produto, mas que ele precisaria receber uma comprovação de que o produto existia, por meio de uma chamada de vídeo ou por um vídeo gravado. Na gravação, o deputado não menciona o produto em questão ou a palavra vacina.
Posteriormente, Luis Miranda foi à sessão, conversou brevemente com alguns senadores e relatou que se tratava de um áudio de setembro de 2020, sobre uma negociação nos Estados Unidos sem relação com vacina, que sido editado para prejudicá-lo.
Ao jornal O Globo, Carvalho também negou que o áudio se referia a vacinas ou se referia à Davati, e afirmou que Dominguetti queria “aparecer”.
Por Deutsche Welle
lf (ots)