Após denúncia de racismo, grupo protesta no Pastel da Maria
Por Paloma Vasconcelos
Movimentos negros protestaram em frente ao restaurante Pastel da Maria, em SP, contra caso de racismo denunciado por advogado
Cerca de dez pessoas integrantes de grupos que formam movimentos negros se concentravam em frente ao Pastel da Maria, um dos restaurantes de culinária oriental mais conhecidos da Avenida Paulista, importante ponto turístico e empresarial da cidade de São Paulo, por volta das 11h desta quinta-feira (14/11). O grupo protestava contra um caso de racismo sofrido por Flavio Roberto Moura de Campos, 27 anos, advogado e ativista de movimentos negros, no local há mais de 20 dias.
Com cartazes escritos “Estruturas racistas não merecem o nosso dinheiro e nossa presença” e gritos de “não comprem de racistas”, “vidas negras importam” e “racistas”, os manifestantes buscavam conscientizar as pessoas sobre a discriminação que o Flavio revelou ter sofrido em vídeos nas redes sociais.
No dia 19 de outubro de 2019, Flavio decidiu parar com a família para comer no restaurante. Ele e a companheira iriam comer pastel, já sua tia e sua irmã decidiram comer yakissoba, um prato oriental. Os funcionários da loja disseram para eles que não havia o prato solicitado, que deveriam voltar no dia seguinte se quisessem consumir tal produto. Todos decidiram comer pastel, já que não havia o yakissoba. Mas, minutos depois, quando um casal de pessoas brancas adentrou à loja, o mesmo prato, que havia sido negada para a família negra, começou a ser preparado. Percebendo que não seria escutado pelos funcionários, Flavio começou a filmar a situação para depois prestar queixa na delegacia.
“Foi negado um prato que estava previsto no cardápio sem justificativa. Disseram que, se quiséssemos comer, teríamos que voltar no dia seguinte”, discursou Flávio durante o ato. “Resolvemos comer pastel, mas vimos o casal pedir e ser atendido”, narra. O grupo denunciava o ocorrido e a importância de “não consumir em locais racistas”. Pessoas que passavam pela rua pararam para ouvir às falas e algumas pessoas que iam comprar no estabelecimento decidiram não comprar em apoio ao advogado.
Intitulada “não compre de racistas”, a manifestação cobrava respostas dos proprietários. Um dos três donos apareceu e conversou brevemente com Flavio. Negro, ele argumentou que “sentia a mesma dor” que o advogado sentia e pediu o fim do ano. O sócio da franquia que se apresentou como Ricardo informou que os funcionários foram afastados.
Em entrevista à Ponte, Flavio afirma que não deixará situações como essas passarem. “Depois que eu postei o vídeo, pessoas viram que podia ter acontecido com elas e se solidarizaram. Mas até hoje não chegou nenhum pedido de desculpas para minha família, nem uma medida reparativa. Eles querem se esquivar, se livrar da responsabilidade, fingir que nada aconteceu. Mas é minha família, enquanto eu tiver força vou exigir uma mudança”, argumenta.
Para o advogado, lutar contra o racismo é lutar contra o crime. “O racismo se desdobra de muitas formas, ele se expressa por um olhar ou por um tiro nas costas de um jovem. Temos que atacar o mínimo para atacar o máximo. O racismo é crime, se somos anticrime, temos que ser antirracistas. O racismo é psicológico e físico, temos que nos defender também de todas as formas. Não vou deixar passar mais”, afirma Flavio.
O grupo, que contava com integrantes da Educafro Brasil, permaneceu em torno de duas horas em frente ao estabelecimento em ato pacífico. A PM foi acionada e conversou com os manifestantes.
Luiz Augusto, 53 anos, integrante da Educafro, critica a atitude dos funcionários da pastelaria. “Nós não podemos achar normal, mas enxergam assim. Isso é, no mínimo, um ato de burrice do comerciante. O Flavio é um advogado que circula aqui na região da Avenida Paulista, logo ele consegue produtos daqui. De repente o dinheiro dele teve menos valor do que o dinheiro de uma pessoa branca”, diz. “Esse ato vem para gritar isso, não para o povo negro, mas para os outros povos. Estamos pedindo que não gastem dinheiro com instituições racistas”, afirma.
“Isso não pode acontecer com ninguém, não só com o negro, mas com o LGBT+, com as pessoas com deficiência, com os japoneses. Nós, negros, estamos gritando pelo que aconteceu, mas isso não pode acontecer com nenhuma pessoa humana. Essa é o posicionamento da Educafro: somos contra qualquer tipo de discriminação”, completa Luiz Augusto.
O office boy Marcos Rodrigues de Oliveira, 32 anos, argumenta sobre a importância de não se silenciar em casos de racismo. “Eu vinha direto aqui, depois que eu vi o vídeo dele contando o que aconteceu eu achei inadmissível. A cultura do Brasil é negra. Em pleno século 21 não tem que acontecer mais isso. É importante fazermos atos de protestos para que as pessoas se conscientizem. Eu já não venho mais aqui, isso é inadmissível. Como ele sofreu aqui e eu também posso sofrer, pois sou negro, já sofri em vários lugares”, crava.
Alexandre Roberto de Oliveira, 46 anos, trabalha como porteiro na região. Ele estava passando pelo estabelecimento e decidiu parar para assistir as falas. “Cada dia que passa nós vemos mais o racismo. Estamos em um país em que 54% da população é negra. Eu trabalho como porteiro e acham que eu só sirvo para abrir e fechar a porta. Estou na hora do almoço, mas passei aqui e tive que parar. Poderia ter sido comigo. Eu dou nota dez para essa atitude dele, que tenhamos mais atos como esse para mudar o país”, pede o porteiro.
A comerciante Renata Cavalcante, 34 anos, acredita que atos como esse são importantes para conscientizar não apenas quem está passando na rua, mas toda população negra. “É preciso denunciar para que as pessoas no mínimo sintam vergonha do que estão fazendo, para que outras pessoas que sofreram racismo e não sabem como denunciar tenham coragem para expor o que passaram, para que nós saibamos os lugares que não devemos frequentar, não porque não podemos, mas porque não queremos”, afirma.
Outro lado
O sócio que se identificou apenas como Ricardo não quis ficar com a reportagem durante o ato. Ele explicou ao advogado Flavio que só havia passado ali para pedir que o ato fosse pacífico e que estava ali para ajudá-lo. Também informou que aguardaria do outro lado da rua, em um estabelecimento, e que voltaria depois. Mas o sócio não retornou até o fim do ato.
Procurada por telefone, a unidade da Avenida Paulista, 2.001, onde Flavio sofreu o ato de racismo, informou à Ponte que só em outra unidade seria possível obter esclarecimentos. A reportagem ligou nesse novo número a procura do gerente Fabio, mas foi informada por outro funcionário que, por causa do feriado (15/11), só seria possível falar com o gerente na segunda-feira (18/11).
Ao jornal Extra, o gerente da fábrica do Pastel da Maria Marcos Matsumoto afirmou que repudia qualquer ato racista e lamentou que o cliente tenha passado pela situação. A empresa esclareceu, porém, que não gerencia a loja citada por Flavio Campos e que é apenas fornecedora do local.
“A situação é triste, mas não temos responsabilidade direta em relação à atitude desses funcionários. Temos sido atacados, quando na verdade a trajetória da nossa empresa é marcada pelo apoia à causas sociais. Estamos em contato com o dono do estabelecimento para que ele tome uma atitude”, ressalta Marcos ao Extra.
*Esta reportagem foi publicada originalmente neste link: https://ponte.org/negaram-um-prato-sem-justificativa-denuncia-advogado-negro/