“BR do Mar” deve impulsionar cabotagem na costa brasileira
O Brasil possui quase oito mil quilômetros de costa marítima e portos instalados de norte a sul do território. Mesmo assim, o transporte por cabotagem ainda é pouco utilizado no país. Enquanto o setor rodoviário responde por 67,6% do volume de mercadorias transportadas no Brasil, a cabotagem está em terceiro lugar, com apenas 7,9% do total. As ferrovias são o segundo modal (21,4%) mais utilizado nos deslocamentos de produtos.
Os números constam do Plano Nacional de Logística (PNL 2035) e foram divulgados pelo Ministério da Infraestrutura. Mas a situação tende a mudar nos próximos anos. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o BR do Mar, programa federal de incentivo à cabotagem.
O projeto, que seguiu para ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, prevê uma série de incentivos ao transporte de longa distância via marítima – daí o nome “BR do Mar”, em referência às estradas federais conhecidas como “BRs”.
“Apesar do crescimento da cabotagem nos últimos anos, esse transporte tem potencial para crescer ainda mais, perto de 30% ao ano. Com o programa BR do Mar, vamos equilibrar a matriz de transporte”, afirma o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, cuja pasta é responsável pelo BR do Mar. Entre os pontos do programa estão a facilidade para o afretamento de embarcações estrangeiras (contrato de uso do navio estrangeiro pelos transportadores de mercadorias, o que reduz custos operacionais), regime tributário especial, modernização portuária e ações de fomento para a indústria naval nacional.
A cabotagem é a navegação feita por navios entre portos do mesmo país. Ela é diferente da navegação de longo percurso, que é realizada entre diferentes países. Trata-se de um sistema de transporte misto em que os barcos, sozinhos, não respondem pelo percurso total. São necessários outros meios, principalmente rodoviários, para completar os trajetos nas pontas do ciclo logístico: levar os produtos da origem até o porto de embarque, e do porto de desembarque ao destino final.
Mesmo com participação modesta em relação a outros meios, o crescimento do modal foi contínuo na última década. Segundo o Ministério da Infraestrutura, a taxa de crescimento anual da cabotagem no Brasil é de 4% ao ano, desde 2010.
Em 2021, até o mês de setembro, o total de cargas transportadas por cabotagem foi de 119 milhões de toneladas, quase 10% a mais do que o registrado no mesmo período de 2020. Os combustíveis, óleos (principalmente petróleo) e minérios a granel representaram, juntos, 86,5% do total das cargas embarcadas nos portos – cerca de 102,3 milhões de toneladas. Os contêineres representaram 8,7% do volume total, segundo a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (Antaq). Atualmente, cerca de cem embarcações de cabotagem transitam entre os portos brasileiros, segundo a Antaq.
“Os grandes centros urbanos do país estão a menos de 200 quilômetros da costa. Isso faz com que a cabotagem seja uma boa opção aos usuários, em especial aqueles que possuem grandes volumes de cargas a serem transportadas”, afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem Abac, Luis Fernando Resano. Ele destaca que a navegação, principalmente de contêineres, atende todo o Brasil e, conforme o porto, há escalas diárias para o embarque e desembarque.
Especialistas apontam diversas vantagens da cabotagem. Um dos principais é o custo do frete, em média 30% menor em relação ao rodoviário. “O transporte marítimo possui grande capacidade operacional de movimentação de cargas que proporcionam ganhos de escala que resultam em diversas vantagens diretas para os embarcadores, como o menor custo médio de transporte por tonelada de carga”, diz o secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni.
A cabotagem também é eficiente para o transporte de grandes produtos, cuja logística rodoviária ou mesmo ferroviária é muito complicada. “Imagine transportar uma grande turbina hidrelétrica ou grandes pás eólicas por caminhões em longas distâncias, com limitações como condições das estradas e altura máxima para passar embaixo de pontes. É quase impossível”, explica Marcelo Toyama, gerente sênior de consultoria em Logística da EY.
Segundo ele, há outras vantagens, como os seguros mais baratos. “O número de sinistros ocorridos no mar é menor do que nas estradas”, cita Toyama, que considera positivo o incentivo ao transporte marítimo: “O programa BR do Mar, assim como as concessões de novas ferrovias, são ações concretas que tendem a mudar a matriz de transporte no Brasil, ainda muito centrada nas rodovias”, diz o consultor.
Em tempos de agenda ESG nas empresas, a cabotagem também leva vantagem sob o aspecto da sustentabilidade ambiental. “São meios de transporte mais econômicos, sustentáveis e menos poluentes”, diz Priscila Carvalho, sócia e especialista em Supply Chain, Operações Logísticas e Otimização da EY.
O sucesso da cabotagem, porém, ainda depende de desafios, em especial nas pontas do modal – transporte da mercadoria até o porto de embarque e do porto de desembarque ao destino final. “Há também uma necessidade de modernização dos portos”, diz Mauro Roberto Schlüter, professor e especialista em logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que também aponta a necessidade de expansão e competitividade em setores essenciais às operações, como o de contêineres. No início do ano, vários países, em especial da Ásia, passaram por uma “crise de contêineres”, já que o produto ficou escasso e prejudicou o transporte de mercadorias do Oriente para o Ocidente.
“A via de transporte já está ali, que é o mar ou o rio. É necessário estabelecer a sincronia plena entre a parte de transporte feita pelo caminhão e a do navio, e a falta dessa sincronia pode comprometer os projetos”, explica Marcelo Toyama.
Por Agência EY