Projeto que acaba com saída temporária de presos é aprovado no Senado
A proposta, que já foi aprovada pela Câmara, recebeu urgência para ser votada no plenário e pode alterar a Lei de Execução Penal.
O Senado aprovou na quarta-feira (7) o requerimento de urgência para o projeto de lei que extingue o benefício da saída temporária de presos, conhecido como “saidinha”. A medida acelera a tramitação e permite que a proposta seja votada diretamente no plenário, sem passar por mais comissões.
O projeto de lei 2.253 de 2022, de autoria do ex-senador Waldemir Moka (MDB-MS), já foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2022, com algumas alterações. Por isso, voltou para análise dos senadores, que podem votar o texto após o recesso de Carnaval.
A saída temporária é um direito garantido por lei aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto e que atendem a alguns requisitos, como bom comportamento e cumprimento de parte da pena. O benefício permite que os presos deixem o presídio em datas comemorativas, como Natal, Páscoa e Dia das Mães, para visitar seus familiares e fortalecer os laços sociais.
O projeto de lei, no entanto, visa acabar com essa possibilidade, sob o argumento de que ela favorece a reincidência criminal e a fuga de detentos. Segundo o relator da proposta na Comissão de Segurança Pública, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a revogação da saída temporária “é medida necessária e que certamente contribuirá para reduzir a criminalidade”.
O senador também defendeu que a lei seja batizada de “Lei Sargento PM Dias”, em homenagem ao policial militar Roger Dias da Cunha, morto por um preso que foi beneficiado com a saidinha de Natal no dia 6 de janeiro.
O texto aprovado pela comissão ainda permite a saída temporária para trabalho e estudo externos, desde que sejam cumpridas as exigências previstas na lei. Além disso, amplia a proibição do benefício para aqueles que praticaram crimes com violência ou grave ameaça, e não apenas para os que cometeram crimes hediondos, como prevê a legislação atual.
Outra mudança proposta pelo projeto é a exigência de um exame criminológico para a progressão de regime e para a concessão do regime semiaberto. O exame deverá comprovar que o preso tem condições de se adaptar ao novo regime com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade.
O projeto de lei também obriga o uso de tornozeleira eletrônica pelos presos dos regimes aberto e semiaberto, como forma de monitoramento e controle.
Críticas e repercussão
A proposta de acabar com a saída temporária de presos, no entanto, não é consenso entre os especialistas e as entidades de direitos humanos. Alguns argumentam que o benefício é uma forma de ressocialização e de humanização do sistema penitenciário, e que a sua extinção pode gerar mais violência e rebeliões nas prisões.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a saída temporária é um instrumento importante para a reinserção social dos presos, pois estimula o convívio familiar, o trabalho e o estudo, além de reduzir a superlotação carcerária.
De acordo com o CNJ, o Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, com mais de 800 mil presos, sendo que 41% deles são provisórios, ou seja, ainda não foram julgados. A taxa de ocupação das unidades prisionais é de 175%, o que significa que há quase o dobro de presos do que de vagas disponíveis.
Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró, o projeto de lei que acaba com a saída temporária é “inconstitucional, ineficaz e contraproducente”. Ele afirma que a medida fere o princípio da individualização da pena, previsto na Constituição, e que não tem impacto na redução da criminalidade.
“Não há nenhum estudo sério que demonstre que a saída temporária aumenta a criminalidade ou a reincidência. Pelo contrário, há estudos que mostram que a saída temporária diminui a reincidência, porque é um mecanismo de ressocialização, de manutenção dos vínculos familiares e sociais do preso”, disse Badaró em entrevista ao G1.
O advogado também critica a exigência do exame criminológico para a progressão de regime, que ele considera uma medida “arcaica e ultrapassada”. Ele explica que o exame era obrigatório até 2003, quando foi revogado pela Lei de Execuções Penais, por ser considerado ineficiente e subjetivo.
“O exame criminológico é uma avaliação psicológica e psiquiátrica do preso, que depende muito do critério do profissional que o realiza. Não há uma metodologia científica que possa garantir que o preso vai ou não se adaptar ao novo regime. Além disso, o exame gera uma burocracia e uma demora na concessão da progressão, o que prejudica o preso e a sociedade”, afirmou.
Badaró defende que a progressão de regime seja baseada em critérios objetivos, como o cumprimento de parte da pena, o bom comportamento e a participação em atividades educativas e laborais. Ele também ressalta que a progressão é um direito do preso e um dever do Estado, e que não pode ser confundida com impunidade ou benevolência.
“A progressão de regime é uma forma de graduar a pena, de acordo com a evolução do preso. Não se trata de um favor ou de uma concessão, mas de um direito previsto em lei. A progressão não significa que o preso está livre, mas que ele passa a cumprir a pena em condições menos rigorosas, mas ainda sob a fiscalização do Estado”, disse.