Alemanha pode estar diante de uma guinada à esquerda
Finalmente! O tédio da campanha eleitoral alemã acabou. Os social-democratas (SPD, da sigla em alemão) e seu candidato a chanceler federal, Olaf Scholz, mal podem acreditar em sua sorte. O atual ministro das Finanças do gabinete de Angela Merkel superou pela primeira vez nas pesquisas seu rival conservador Armin Laschet, candidato da União Democrata Cristã (CDU), antes considerado um sucessor em potencial de Angela Merkel.
De acordo com a última pesquisa de opinião realizada pelo instituto INSA em 30 de agosto, com 25%, o social-democrata Olaf Scholz está 5 pontos percentuais à frente do democrata-cristão Armin Laschet. Em meados de julho, ainda era bem diferente: Laschet tinha 27%, enquanto Scholz, considerado pouco carismático, seco e desajeitado, estava com 16%.
O milagre social-democrata significa a iminência de uma verdadeira reviravolta política na Alemanha − para a esquerda. Porque se o SPD obtiver o maior número de votos nas eleições de 26 de setembro, ele está disposto a negociar a formação de um governo com todos os partidos no Bundestag, menos com a conservadora CDU e a populista de direita AfD.
A cooperação com a AfD não é possível por razões de conteúdo e ideologia. Nem com a CDU, devido a questões programáticas e estratégicas. Nos 16 anos do governo de Merkel, os social-democratas governaram ao lado dos democrata-cristãos durante 12 anos. A renovação proclamada pelo SPD não pode, portanto, ocorrer com mais uma coalizão entre CDU e social-democratas.
CDU na oposição?
Assim chegariam ao fim não só os 16 anos da era Merkel, mas também a era da liderança conservadora da CDU e a cooperação política entre CDU e SPD em nível governamental.
Quão de esquerda o novo governo em Berlim será depende das negociações com os potenciais parceiros de coalizão após as eleições. Mas já está claro que o futuro gabinete governamental incluirá não apenas social-democratas, mas também verdes.
E como uma coalizão entre social-democratas e verdes provavelmente não será suficiente para uma maioria no Parlamento, o SPD precisará muito provavelmente de um terceiro parceiro de coalizão. Se se aliar ao Partido Liberal Democrático (FDP), próximo do empresariado, haverá um governo de centro. E se for formada uma coalizão com o socialista A Esquerda, a balança penderá mais para a esquerda.
Mesmo que a busca por um potencial terceiro parceiro de coalizão à primeira vista pareça um detalhe político, ela pode ser decisiva para o rumo político da Alemanha nos próximos quatro anos. Pois o aumento do salário mínimo, uma maior tributação do patrimônio, o fim de voos domésticos na Alemanha e se as usinas a carvão serão desativadas no curto prazo, tudo isso não depende apenas do SPD e dos verdes.
Maior liberdade de mercado ou mais regras?
Enquanto os liberal-democratas, por exemplo, priorizam o mercado e as inovações técnicas na política climática, A Esquerda tem um curso bem oposto. De acordo com seu programa partidário, ela quer “quebrar o poder dos bancos e dos mercados financeiros”, “socializar as grandes empresas de energia” e proibir empresas de energia “com sede na Alemanha de construir novas usinas de carvão e linhito no país e no exterior”.
Independentemente de quem seria o terceiro parceiro da coalizão, já está claro que a política energética e climática será uma marca do futuro governo. Pois já na primeira coalizão vermelho-verde (entre SPD e Partido Verde), sob o chanceler federal Gerhard Schröder (1998-2005), fez-se história: em 14 de junho de 2000, Berlim acordou com as empresas de energia o fim gradual da produção de energia nuclear.
Foi também o então chanceler federal Schröder que cortou maciçamente os gastos sociais, diante do aumento do desemprego e da dívida pública. A reforma dos benefícios de desemprego introduzida durante seu governo, chamada Hartz IV, levou a perdas para o SPD nas eleições de 2005. Schröder renunciou, mas seu partido permaneceu no poder mesmo assim, como parceiro júnior da CDU sob a chanceler federal Angela Merkel.
Desta vez, também parece que o SPD pode continuar no governo. Um renascimento social-democrata que ninguém esperava, muito menos a CDU, que estava certa de seu retorno à Chancelaria Federal, graças ao bônus Merkel.
Cinco dos oito chefes de governo desde a fundação da República Federal da Alemanha, em 1949, foram democrata-cristãos. Os social-democratas poderiam agora fornecer o quarto chanceler federal para a Alemanha. Quatro semanas antes das eleições, as coisas estão começando a ficar emocionantes! Finalmente!
Por Astrid Prange de Oliveira, da Deutsche Welle
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Astrid Prange de Oliveira trabalhou como correspondente no Brasil e na América Latina por oito anos. Para a DW Brasil, ela escreveu a coluna Caros Brasileiros durante três anos. Agora, com a coluna Alemanha vota ela retorna como observadora da campanha eleitoral alemã. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt