Motorista da 99 é preso após polícia achar drogas com passageira
O desespero e a indignação de se deparar com a prisão de seu padrasto fez a contadora de 23 anos Lorena Zampolli ir às redes sociais nesta terça-feira (20/7) pedir ajuda para que alguém escute a dor da família. O padraso, que ela chma de pai, é José Adriano de Souza Lima, tem 45 anos e está preso há mais de um mês. A prisão ocorreu durante seu trabalho como motorista do aplicativo 99 quando levava passageira Tairiny Cristini Duarte Custódio, de 26 anos, a Minas Gerais – ela transportava drogas em uma mochila.
Além de padastro de Lorena, José é casado e pai de uma filha de 14 anos e trabalha como motorista de aplicativo desde 2019, após perder o emprego com carteira assinada como motorista de caminhão em abril daquele ano. “Meu pai é um chefe de família, trabalhava de domingo a domingo, minha mãe é hipertensa e passa mal com a pressão dela quase todos os dias. Emocionalmente estamos todos muito abalados, materialmente estamos tendo inúmeros prejuízos financeiros, muitos amigos e familiares que conhecem ele se solidarizaram, nos oferecendo doações para gastos com a advogada. Sem contar toda a humilhação pela qual ele está passando, sendo tratado como bandido que ele não é dentro de um presídio”, conta Lorena em entrevista à Ponte.
O caso aconteceu em 18 de junho deste ano, quando José buscou a passageira no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, para levá-la à cidade de São Tiago, em Minas Gerais. José tinha o costume de pegar viagens mais longas por serem melhor remuneradas. A passageira informou ao motorista durante a viagem que iria à cidade mineira fazer um programa sexual e ao entrar no carro estava com uma mochila e uma bolsa.
De acordo com o boletim de ocorrência, assinado pelo delegado Paulo Felipe Gonzalez Saback da delegacia de Polícia Civil de plantão de Juiz de Fora, durante a viagem por volta das 15h da tarde José foi parado em uma blitz da Polícia Rodoviária Federal, no encontro da rodovia BR-040 com a MG-267. Imediatamente o motorista estacionou o carro, que foi fiscalizado pelo policial Fabricio Alberto Ribeiro. No banco de trás, a passageira estava ao lado de uma bolsa que guardava roupas femininas, 329 pinos e 202 frascos de cocaína e 267 “buchas” de substância semelhante a maconha.
Com Tairiny foi encontrado também R$ 460,00 em espécie, e com José foram encontrados R$ 95,00. Questionada durante a abordagem, a passageira apontou José como o dono das drogas.
Em seu depoimento na delegacia José reafirmou o que havia dito ao policial durante a abordagem que dirigia o carro em uma viagem do aplicativo 99, que não sabia da presença das substâncias e que a corrida ainda não tinha sido finalizada no aplicativo. Ele alegou ainda que nunca havia aceitado uma viagem para Minas Gerais, mas que ia recorrentemente a Angra dos Reis e Cabo Frio. Tairiny permaneceu em silêncio durante o seu depoimento.
Com isso, o delegado decretou a prisão em flagrante por conta da quantidade de drogas encontrada no veículo e indiciou ambos pelos crimes de tráfico de drogas interestadual, com pena de cinco anos de reclusão e associação para o tráfico de drogas com pena de três a dez anos, e pagamento de 700 a 1.200 dias-multa, previstos respectivamente nos códigos 33 e 35 da Lei de Drogas de 2006.
Um dia após a prisão em flagrante houve uma audiência de custódia, na qual José Adriano afirmou novamente que não tinha conhecimento da propriedade das drogas. José foi encaminhado ao presídio de Matias Barbosa, localizado no centro da cidade de Juiz de Fora, onde passou 15 dias para realizar a triagem da Covid-19, segundo a advogada criminalista Carla de Oliveira Bejani. “Após esse período, ele veio para a penitenciária Ariosvaldo Campos Pires em Juiz de Fora. No presídio de Matias Barbosa, passou por audiência de custódia através de videoconferência”, conta a defensora.
Durante a audiência, o motorista explicou à juíza plantonista Ivone Campos Guilarducci Cerqueira que não sabia realmente o que a passageira carregava, por isso prosseguiu com a corrida. Após a audiência a juíza decretou a prisão preventiva de ambos.
A advogada entrou com um pedido de liberdade provisória na própria audiência e com um pedido de revogação da prisão preventiva no dia 21 de junho: o primeiro foi negado pela juíza de plantão e o segundo foi também negado pelo juiz Edir Guerson de Medeiros em 6 de julho.
Em sua decisão, o juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais afirmou que a liberdade aos presos em flagrante por delitos desta natureza “coloca em risco a própria objetividade jurídica que o legislador quis tutelar na norma de proibição, gerando não apenas a intranquilidade pública, mas também o sentimento de impunidade”. No dia 29 de junho a promotora Nicole Frossard de Filippo do Ministério Público do estado de Minas Gerais (MP-MG) se manifestou pela manutenção da prisão de José Adriano.
Depois dessa decisão a advogada entrou com outro pedido de habeas corpus em Belo Horizonte no dia 12 de julho, que foi liminarmente indeferido sem análise o mérito. “Estou aguardando a decisão final do pedido de habeas corpusem Belo Horizonte, se o mesmo vier negado, entrarei com pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Era comum ele fazer corridas a longa distância, era até de sua preferência pela comissão que lhe era repassada pelo aplicativo”, explica a advogada.
Segundo a criminalista, já foi pedido ao juiz da 2º Vara Criminal a expedição de ofício para a 99 repassar as informações de trabalho de José Adriano, mas a empresa ainda não se manifestou. “Ele não tinha como ter conhecimento do que a passageira estava portando ou transportando em suas bolsas, fez a corrida pela plataforma de serviço, possui diversas corridas de longa distância pela plataforma, nunca foi preso anteriormente, é primário e tem bons antecedentes.”, alega Carla.
Diante das negativas da Justiça em considerar José Adriano inocente até que se prove o contrário, Lorena conta não ter palavras para descrever a situação. “Eu jamais imaginei que um dia eu passaria por isso, sempre soube como é o país que a gente vive, sabia que a Justiça é precária e muitas vezes injusta, mas não imaginava que era tão desumana dessa forma. Nada nesse mundo vai reparar o dano e trauma que o meu pai está passando, eu só quero que a justiça seja feita e ele inocentado.”
A jovem também conta que quando soube do momento da prisão de seu pai sua mãe estava em casa cozinhando doces para vender enquanto ela estava trabalhando em home office também em casa. “Nós só soubemos no final da tarde, porque a advogada dele entrou em contato com o meu tio, que foi o número que ele conseguiu lembrar já que o celular estava apreendido”, diz.
Para ela a Justiça do Brasil é lenta e precária. “Chega a ser revoltante presenciar tudo o que está acontecendo, infelizmente meu pai não é o primeiro e nem será o último inocente a ser preso, mas o que eu e a minha família puder fazer pra tirar ele de lá, nós faremos. Estamos divulgando o caso porque ele já está preso há um mês, e não podemos ficar olhando apenas a Justiça andar sem fazer nada”, desabafa. Lorena afirma que o carro comprado por ela ainda está apreendido em um pátio, “se deteriorando a cada dia”.
Em rede social, a jovem ainda alegou que a 99 não prestou qualquer apoio jurídico a família e não está colaborando com as investigações. A mãe de José Adriano, Maria José, de 67 anos, chegou a ir na sede da 99 há cerca de duas semanas, mas de nada adiantou. “Só liberam o extrato de corridas do meu pai mediante ofício judicial e o juiz até o momento não expediu o ofício, não liberaram nem mesmo para a minha avó que foi lá na sede da 99, dizem que tem uma equipe tratando disso mas eles nunca entraram em contato conosco ou com a advogada do meu pai, nem mesmo pediram o número do processo. Estou vivendo um filme de terror, e agora resolvi expor pra chegar no maior número de pessoas”, afirma Lorena. “Nem mesmo perícia fizeram no celular dele”, diz.
Procurado, o advogado de Tairiny, Ulisses Sanches da Gama disse que em sede policial a passageira se reservou ao direito de permanecer em silêncio, mas que em audiência de custódia “ela confessou ser a real possuidora das drogas”. Segundo ele Tairiny “foi coagida por traficantes cariocas a realizar o transporte sob pena de ter sua vida e de um parente ceifadas por causa de dívidas”, disse em uma nota enviada à reportagem.
Sobre a defesa de Tairiny, o advogado diz que foi impetrado um pedido de habeas corpus. “Estamos aguardando o Tribunal se manifestar, em relação ao mérito, comprovando-se cabalmente a coação física irresistível, o que configura hipótese jurídico-penal de atipicidade por ausência de conduta, pleiteamos a absolvição”. Tairiny também está presa preventivamente.
A advogada de José Adriano contesta a afirmação e diz que o defensor da passageira está mentindo: “em momento algum a Tairiny falou sobre os fatos durante a audiência, ela permaneceu em silêncio”. Como a audiência é virtual, nenhum dos advogados tem o registro para disponibilizar à reportagem no momento. Apesar disso, a Ponte teve acesso à decisão da juíza após a audiência de custódia, onde não é feita qualquer menção á suposta confissão de Tairiny. A última decisão judicial do magistrado Edir Guerson de Medeiros também não aponta em nenhum momento que Tairiny teria confessado ser a dona das substâncias ilícitas.
Na visão da advogada criminalista Thayná Yaredy, que analisou o processo a pedido da Ponte, a Justiça não reconhecer que José Adriano estava trabalhando em atividade comercial configura uma restrição ao seu direito de defesa. “Uma outra questão é a falta de celeridade no processo e o tempo razoável para requerer as diligências necessárias, porque o próprio Ministério Público poderia ter requerido o oficiamento de informações à empresa 99 para fazer com que essa pessoa que está presa injustamente provasse que estava trabalhando, que estava no meio de uma corrida, talvez não precisaria nem da quebra do sigilo telefônico”.
Uma outra questão, segundo ela, é que a prisão preventiva precisa ser decretada quando a pessoa oferece algum tipo de prejuízo ou algum tipo de perigo à investigação. “Fato que é evidente que não faz parte do contexto desse processo, visto que o José não teria condições de dificultar a investigação em relação ao crime”, aponta.
Outro lado
A Ponte questionou a 99 sobre as acusações feitas por Lorena e pela defesa de José Adriano de que a empresa não está colaborando com as investigações, e foi respondida apenas com uma nota dizendo que “a 99 lamenta profundamente o ocorrido com o motorista parceiro José Adriano de Souza Lima. Assim que tomamos conhecimento, imediatamente mobilizamos uma equipe responsável por compartilhar as informações necessárias. Porém, pela legislação vigente, o envio de dados de usuários depende de prévia autorização das autoridades. Entramos proativamente em contato com a polícia e aguardamos essa etapa para seguir colaborando. Continuamos a postos para apoiar as investigações no que for necessário para que o caso seja esclarecido o mais breve possível.”
Questionado, o Ministério Público de Minas Gerais não afirmou por que a promotora é favorável à prisão de José Adriano apesar de ele ser réu primário e possuir bons antecedentes e nem se em algum momento o MPMG solicitou mais informações à empresa 99 e se ainda pretende solicitar. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também não respondeu às questões solicitadas.
A reportagem questionou a Polícia Civil sobre quais são os indícios de que José Adriano é perigoso para ter sua liberdade restringida e se no momento da prisão o delegado Paulo Felipe Gonzalez Saback conferiu o aplicativo do celular de José Adriano. As questões não foram respondidas. A policia afirmou apenas que “realizou a apuração e coletou todos os elementos na investigação que resultaram no indiciamento do suspeito pela prática de tráfico ilícito de drogas. O Inquérito Policial foi relatado e remetido à Justiça”, disse em nota.
Por Beatriz Drague Ramos, da Ponte