Municípios descartam volta às aulas mesmo após liberação
Em meio ao atual cenário de pandemia, escolas privadas, estaduais e municipais pelo Brasil vêm, cada qual a seu modo, buscando maneiras de voltar a receber alunos neste cenário de pandemia. No estado de São Paulo, onde o retorno começou no dia 8 de setembro, com aval do governo estadual, a adesão ainda é baixa – na maior parte dos municípios, as escolas permanecem fechadas, e muitos já decretaram que em 2020 não haverá mais ensino presencial.
Em Taquarituba, por exemplo, onde a rede municipal tem cerca de 2,7 mil alunos, a decisão foi tomada em 28 de agosto. Segundo a coordenadora municipal de Educação, Rosimeire da Cunha Casseverini, a medida resultou de uma consulta participativa: o processo foi conduzido por uma comissão composta por representantes de escolas municipais, estaduais, privadas e filantrópicas e profissionais das áreas de saúde e assistência social.
Casseverini ressalta que foram consideradas questões como ocupação de leitos nos hospitais e também pesquisas internacionais de países que retornaram às aulas e tiveram aumento no número de contaminados. Uma vez tomada a decisão, a mesma foi submetida ainda a um comitê da prefeitura e encaminhada ao Ministério Público.
O município paulista de Vinhedo tomou decisão semelhante a partir de uma consulta pública on-line realizada em agosto. Pais, professores e alunos foram convidados a opinar, e 70% deles afirmaram ser contra a retomada presencial em 2020. Conforme nota enviada à reportagem pela assessoria de imprensa da prefeitura, a maioria dos pais ouvidos enfatizou que não permitiria a volta de seus filhos às salas de aula mesmo com uma eventual reabertura.
“Com o resultado dessa consulta pública em mãos, o parecer técnico da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria de Segurança Pública, decidiu-se pela suspensão das aulas presenciais no ano de 2020”, diz o texto.
São 10,3 mil alunos na rede. A decisão municipal não deve interferir nas escolas particulares e estaduais – mas, caso estas optem pela retomada, precisarão submeter seus protocolos de segurança à secretaria municipal de Saúde.
A situação é parecida em Sorocaba, onde a prefeitura decretou em 27 de agosto que o ensino público municipal – que atende a 60 mil alunos – não retornará de forma presencial este ano, mas autorizou a retomada tanto das escolas estaduais quanto privadas.
“A decisão foi tomada após a realização de uma pesquisa de interesse feita pela secretária da Educação […] com pais ou responsáveis de estudantes da rede municipal. O resultado apontou que 84,8% das pessoas consultadas optaram que os estudantes não retornassem às aulas presenciais”, esclareceu, em nota, a prefeitura.
Já no município de Itapeva, até o momento não houve um consenso entre as diferentes redes escolares. De acordo com a secretária de Educação Patrícia Aparecida Felício Matos, embora a decisão seja não voltar a ter ensino presencial nas 60 escolas municipais em 2020 – que atendem a 16 mil alunos –, escolas particulares e estaduais podem ser reabertas.
Havia uma decisão de que isso ocorreria em outubro, mas uma reunião ocorrida com o Ministério Público na última sexta-feira acabou definindo um prazo de 15 dias para reavaliação.
São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia do novo coronavírus, com 893.349 casos e 32.642 mortes confirmadas até esta segunda-feira (14/09), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (6,5 milhões), Índia (4,8 milhões) e Rússia (1 milhão).
Possíveis adaptações
A convite do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o departamento de São Paulo do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-SP) elaborou um manual com orientações para adaptações que poderiam ser feitas nos espaços físicos das escolas numa eventual retomada.
Contudo, a própria instituição não avalia com bons olhos a volta do ensino presencial no momento. “O retorno antes da vacina exige cuidado com os espaços e atitudes, e uma série de protocolos. A gente não vislumbra capacidade de que isso seja feito com o rigor necessário. Isso demanda muita preocupação”, diz o arquiteto Fernando Túlio Franco, presidente do IAB-SP.
Um exemplo está no tamanho das salas de aula. Considerando as dimensões padrões de uma sala, o arquiteto avalia que as turmas não poderiam exceder 20 alunos, para que um certo isolamento fosse possível. Entretanto, eles identificaram que em 93,4% dos casos o número de estudantes por sala é superior a isso.
“A perspectiva é para a realização de atividades didáticas em espaços livres, como pátios e até mesmo espaços públicos, como praças”, sugere.
Dificuldades de acesso
No cenário atual de aulas on-line, garantir que todos tenham acesso mínimo às aulas tem sido o grande desafio dos gestores de educação. Uma pesquisa realizada pela prefeitura de Vinhedo, por exemplo, identificou que 15% dos seus alunos têm pouco ou nenhum acesso às plataformas de ensino à distância.
Em geral, as secretarias têm distribuído versões impressas das aulas, além das teleaulas, com foco prioritário naqueles que não têm acesso.
“Mesmo sem aulas, estamos com as escolas abertas para que os pais possam tirar uma dúvida, buscar o material. Esse movimento pedagógico não pode deixar de acontecer”, diz Matos, de Itapeva.
A secretária conta que os professores foram orientados a montar grupos de WhatsApp com as famílias dos estudantes, para conseguir acompanhar um pouco melhor as atividades. “O direito é de todos. Não podemos deixar ninguém para trás, mesmo que alguns tenham mais e outros menos facilidade de acesso.”
A coordenadora educacional de Taquarituba concorda que haverá níveis de defasagem diferentes quando as aulas presenciais forem retomadas. “Será feito todo um planejamento de compensação para que os alunos não tenham perdas ainda maiores”, diz.
“Como professora, posso afirmar que, como os conteúdos trabalhados ao longo da escolaridade básica são os mesmos desde o início, mudando apenas o grau de complexidade devido ao nível de desenvolvimento cognitivo do aluno, poderemos, com um bom planejamento e com boas estratégias de ensino, conseguir diminuir as lacunas de aprendizagem dos alunos”, conclui.
Por Edison Veiga, da Deutsche Welle