Sem divulgação de atas, tensão na Venezuela cresce a cada hora
Professor Rafael Villa comenta que o país está sendo observado pelo mundo
O Conselho Nacional Eleitoral venezuelano já apontou a reeleição do atual presidente Nicolás Maduro, com cerca de 80% dos votos apurados. As eleições foram realizadas neste domingo (28/7) e, segundo o conselho, Maduro teve 51,2% frente a 44% de Edmundo González, opositor do governo. Essa seria a segunda vez que Maduro é reeleito, tendo ele assumido o cargo interinamente em 2012 após complicações de saúde de Hugo Chávez, e vencendo nas urnas em 2013 e 2018.
Já a oposição contestou imediatamente o resultado divulgado pelo órgão oficial, afirmando que segundo acompanhamento de pesquisas internas González teria vencido com 70%. Líderes internacionais tampouco reconheceram a vitória de Maduro, exigindo mais transparência no processo.
Falta de transparência
O professor Rafael Villa, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, especialista em América Latina, afirma que não necessariamente as eleições foram fraudadas, “só que para que se confirme realmente a vitória do Maduro, todas as atas desse processo eleitoral de ontem precisam ser auditadas”. As eleições acontecem em um contexto de grande desgaste democrático no país, e eleições passadas foram questionadas por múltiplos países e comunidades internacionais. Recentemente, inclusive, a Venezuela retirou o convite para que a União Europeia pudesse acompanhar o processo, levantando ainda mais as suspeitas.
Segundo Villa, basta uma recontagem imparcial das atas eleitorais para que a situação venezuelana se estabilize. Ele reforça ainda que é tecnicamente incorreto dizer que Maduro fraudou as eleições, mas os dados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano precisam ser embasados. Caso contrário, aí sim, as suspeitas se intensificariam. “Quanto mais se demora para fazer a recontagem, mais dúvidas se colocarão sobre a vitória do Maduro”, diz ele.
Questionamentos das eleições
A líder da oposição María Corina Machado não tardou em declarar fraude: “Ganhamos e todo o mundo sabe. Todo mundo sabe. Quero que saibam que foi algo tão pesado, tão grande que ganhamos em todos os setores do país, em todos os estratos do país, em todos os Estados do país, em todos. Ganhamos!”. Segundo ela, as pesquisas de boca de urna e algumas atas disponíveis coincidem com as pesquisas eleitorais feitas antes da eleição, que indicavam 70% dos votos para Edmundo González. Essa seria também a maior margem de vitória de uma votação presidencial na Venezuela.
Já o professor de Ciências Políticas diz que a afirmação é precipitada. “Não dá para dizer que ganharam com 70%, não há indícios materiais de que isso tenha acontecido. O problema todo está na questão da transparência do processo, esse é o principal.” Para Villa, deixar que as atas sejam auditadas e que os votos sejam recontados é o cerne da questão: “Se o país não quer se jogar de novo em um isolamento internacional, é necessário tomar essa medida”.
A cópia das atas eleitorais está previsto na lei da Venezuela, então não só disponibilizá-la para a recontagem seria uma questão de ordem das relações internacionais, mas do próprio regulamento interno do país. María Corina lembrou diversas vezes esse fato após a divulgação da vitória de Maduro e ainda aguarda que o Conselho Nacional Eleitoral siga a lei.
Possíveis desdobramentos
Caso não haja uma recontagem, o esperado, segundo Villa, é que a Venezuela “volte aos níveis de isolamento internacional entre 2019 e 2022”. Esse cenário, de acordo com ele, é facilmente vislumbrado pelo acúmulo de tensão na última década em torno do governo Maduro e pelos pronunciamentos já feitos por diversos países, os quais já põem em dúvida a veracidade do processo. É o caso de, por exemplo, Colômbia, Costa Rica, União Europeia e os Estados Unidos – o Brasil, representado por Celso Amorim, que esteve presente em Caracas, ainda não se pronunciou oficialmente.
Já no cenário em que a vitória de Maduro se confirme (ou em que não haja recontagem e apenas a preservação antidemocrática do poder), “o que se pode esperar é uma continuidade da mesma tragédia venezuelana que tem se caracterizado durante os últimos oito anos: 7 milhões de migrantes, uma inflação alta, salário corroído totalmente”, diz o professor. Ele ressalta também, fora esses problemas, a questão da corrupção das instituições. O chavismo, que desde 1999 está no poder venezuelano, corrompe a democracia e o bom funcionamento das Forças Armadas, do Judiciário e do próprio Conselho Nacional Eleitoral.