PF investiga sequestro de indígenas e jornalista
A ativista indígena Txai Suruí, a mãe dela, a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, conhecida como Neidinha Suruí, e o artista, grafiteiro e ativista Mudando, sofreram uma emboscada de invasores da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. O jornalista inglês Heydon Prowse e uma equipe de documentaristas os acompanhavam na região.
Outros cinco indígenas estavam com as ativistas. Vídeos mostram todos sendo cercados por um grupo de, aproximadamente, sete pessoas, em uma área conhecida como PAD Burareiro, que está sob litígio, dentro da terra indígena. A intimidação durou 4 horas. Ao todo, eram cerca de 50 homens.
A Polícia Federal (PF) investiga o crime – sob sigilo – ocorrido no domingo, 14, e disse que vai adotar medidas judiciárias cabíveis.
O ataque
Invasores não identificados emboscaram Txai e Neidinha em uma estrada que dá acesso ao posto de vigilância da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ambas estavam a caminho de um trabalho que o artista Mundano faria na reserva, em apoio à luta dos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau. Os documentaristas iriam registrar a atividade.
O advogado da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ramires Andrade, conta os momentos de terror. “[As vítimas] Tentaram retornar, porém, ao mesmo tempo que interceptaram o comboio pela frente. Outros invasores já saíram do mato e fecharam também por trás, impossibilitando o retorno”, afirmou Andrade, ressaltando que homens estavam armados.
Embates e negociações
Em um dos vídeos divulgados nas redes sociais, Txai aparece conversando com um dos homens que a cerca. Apontado como invasor, ele diz que o grupo recebeu direitos sobre a terra, há 42 anos, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que, por isso, se sente oprimido pelos indígenas.
“Como eles estão me gravando, eu me vejo no direito de gravar cada um que está aqui dentro”, começou a gravar a ambientalista Neidinha Suruí. “Eu estou explicando a eles a área de litígio. Não estou invadindo, porque isso aqui é uma TI, e se chama Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Estou com os donos da área, que me chamaram para vir aqui”, disse ainda durante o vídeo.
O grupo que levou o caso à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas, negociou por duas vezes a liberação dos reféns. Os homens libertaram, inicialmente, um primeiro grupo que estava passando mal. Depois, os invasores só aceitaram a saída de Txai e Neidinha porque a ativista afirmou que iria denunciá-los por cárcere privado à PF.
Denúncia
Ramires Andrade contou à CENARIUM que acompanhou Neidinha Suruí a uma delegacia da PF, em Porto Velho, e garantiu que vai acompanhar, pessoalmente, todos os desdobramentos desse caso. “A Polícia Federal deve instaurar inquérito policial para apurar os crimes cometidos contra Neidinha, Txai, os indígenas e os demais membros da equipe“, detalhou.
Histórico de devastação
Considerada uma das TIs mais impactadas pelo desmatamento, em todo o País, a Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau também é uma das mais pressionadas por grileiros. São quase 2 milhões de hectares. Já o povo, é sinônimo de resistência: são menos de 200 habitantes.
Exemplo emblemático da luta dessas comunidades é o assassinato do ativista e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, morto em abril de 2020, por denunciar a exploração ilegal de madeira na região. Naquele ano, o território ocupava a oitava posição entre as TIs mais desmatadas. Além disso, Txai Suruí já denuinciou criação ilegal de gado dentro da reserva.
“A situação expõe o alto nível de risco e a gravidade do conflito instalado na TI, o que requer uma ação enérgica do governo federal para se restabelecer a segurança na região e garantir a integridade do território, dos povos indígenas, dos ativistas e das equipes da Kanindé, que trabalha na assistência ao povo Uru-Eu-Wau-Wau há mais de 30 anos”, afirmou Ramires Andrade à CENARIUM.
O advogado está em Brasília para tratar do assunto, junto ao Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Ministério da Justiça e Segurança Pública. “É um conflito que já se arrasta por quase 50 anos, e não abriremos mão dessa solução, pela garantia do direito originário dos indígenas sobre o território, que é regularmente demarcado e homologado. Não existe solução possível com a permanência dos invasores no território indígena”, finalizou Ramires Andrade.
*Publicado originalmente pela Agência Amazônia