Volkswagen recusa indenizar vítimas de trabalho escravo no Brasil
A montadora Volkswagen se recusou a firmar um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) brasileiro a fim de reparar a ocorrência de trabalho escravo e outras violações de direitos humanos em uma fazenda da empresa no Pará nos anos 1970 e 1980.
Em audiência nesta quarta-feira (29/03), os representantes da montadora abandonaram a mesa de negociações, que envolviam o pagamento de R$ 165 milhões em indenização a 14 trabalhadores identificados como vítimas dos abusos. Parte desse montante também seria destinada à procura de outras vítimas e familiares.
As investigações do MPT remontam a casos ocorridos à época do regime militar (1964-1985) na chamada Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como “Fazenda Volkswagen”, no município paraense de Santana do Araguaia.
A empresa nega as acusações. O procurador do trabalho Rafael Garcia, coordenador do grupo que investiga as denúncias, disse que a VW insistiu que não tem responsabilidade pelas violações ocorridas em sua propriedade.
“[A Volkswagen] rejeita todas as alegações apresentadas nos registros da presente investigação sobre a Fazenda Vale do Rio Cristalino e não concorda com as declarações unilaterais dos fatos apresentados por terceiros”, diz a companhia.
O MPT apostava em um acordo extrajudicial com a Volkswagen. Dada a recusa da empresa em pagar a indenização proposta, voltou-se a analisar a judicialização do caso. Segundo Garcia, avalia-se inclusive recorrer a outros foros além da Justiça brasileira, levando em conta que a VW é de origem alemã.
“Lamentamos a postura da Volkswagen, que desrespeita trabalhadores que foram escravizados, tiveram sua dignidade e liberdade cerceadas dentro de sua propriedade por mais de dez anos”, afirmou o procurador nesta quarta-feira.
O caso
A convite dos militares, a Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras na região amazônica em 1973. A Fazenda Vale do Rio Cristalino deveria abrir uma nova área de negócios para o grupo: criação de gado. O projeto fazia parte da estratégia de desenvolvimento nacional naquela época.
A Volkswagen deveria contribuir para o desenvolvimento da floresta tropical brasileira e não apenas ganhar dinheiro com isso, mas também seguir o lema “integrar para não entregar” dos militares. Cálculos do MPT estimam que a “Fazenda Volkswagen” tenha recebido R$ 700 milhões em recursos públicos (em valores atualizados) para desenvolver o empreendimento.
Grandes partes da propriedade tiveram que ser desmatadas para dar lugar à fazenda de gado. Para desmatar e fazer o pasto no local, a fazenda contratou “gatos” – como eram chamados os empreiteiros – para recrutar trabalhadores temporários nas aldeias remotas da região e transportá-los para a fazenda.
Mas em vez dos empregos lucrativos prometidos, os empregados temporários eram obrigados a trabalhar para pagar supostas dívidas, sofriam violência e eram ameaçados, além de serem impedidos de deixar a região.
Testemunhas na investigação do MPT, ex-trabalhadores relatam que eles eram amarrados após tentativas de fuga, trabalhavam sob a mira de armas e falaram até em mortes no local.
Apesar do que alega a Volkswagen, o MPT acredita que tais violações na propriedade não poderiam ter ocorrido sem que a empresa tivesse conhecimento.
Padre documentou abusos
As acusações foram apresentadas em 2019 ao Ministério Público do Trabalho pelo padre e professor Ricardo Rezende Figueira, que documentou várias centenas de casos.
Figueira foi coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a região de Araguaia e Tocantins da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por causa de seu trabalho, ele recebia regularmente ameaças de morte.
Em entrevista à DW em junho de 2022, Figueira disse ter certeza de que “a direção da Volkswagen tinha conhecimento” do que se passava no local. “Eram milhares de trabalhadores em regime de escravidão, recrutados sobretudo no Nordeste e Centro-Oeste, para as atividades temporárias, como derrubar a floresta, lançar fogo na mata, plantar capim e construir as instalações da fazenda. As condições de vida e de trabalho eram degradantes, além de ser um trabalho exaustivo”, relatou. “Além disso, havia também informações sobre homicídio, estupro, violência física, tortura. Eram denúncias terríveis.”
Em 22 de maio do ano passado, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro concedeu título de cidadão honorário a Figueira por causa de seu compromisso contra a escravidão moderna. O padre pesquisa e ensina sobre o tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e escreveu também um livro.
ek/rk (DW, ots)