Amy Winehouse: a trajetória e declínio prematuro de uma estrela
A morte prematura de Amy Winehouse abalou os quatro cantos de Londres: afinal, o amor da cantora pela cidade sempre fora um pilar de seu trabalho criativo. Ela era especialmente apegada ao bairro de Camden Town, ao ponto de, em 2008, dedicar seus cinco prêmios Grammy a esse lar eletivo.
Dez anos após sua morte, ainda se encontram lembranças de Amy por toda Camden e outras partes do norte da capital britânica, onde ela passou grande parte da infância e dos anos de formação, e que contribuíram para moldá-la como artista.
A família também desempenhou um papel importante em seu desenvolvimento musical, expondo-a, desde pequena, a várias influências de meados do século 20. Sua avó, Cynthia, trabalhava como vocalista profissional, e o pai, Mitch, era fã do “Rat Pack”, grupo informal de cantores americanos que incluía, entre outros, Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr..
Cynthia se apresentava em locais como o lendário Ronnie Scott’s Jazz Club da Frith Street, no Soho, mas também, simplesmente, na sala de estar na família. Amy cantava junto, ou imitava as vozes nos discos que o pai tocava, de Dinah Washington e Sarah Vaughn a Billie Holiday e Frank Sinatra. Foram influências fortes: sua voz costumava ser comparada à da “Lady Day”.
“Camden girl”
Winehouse tinha apenas 19 anos ao fechar seu primeiro contrato fonográfico. Embora mais tarde ela viesse a fazer turnês pelo mundo, durante os anos formativos seu mundo de girava em torno de Camden Town. Tanto partindo da casa da família, em Southgate, no norte de Londres, como da escola de música e artes cênicas que frequentava, era fácil para ela chegar àquele polo criativo, famoso por seus locais de música e sua ousada cena artística.
Ao se tornar uma estrela de rock famosa, Amy adotou o visual rockabilly típico de Camden, com um penteado colmeia que ia desafiando a gravidade. Uma fonte de alimento artístico para ela era a energia dos pubs e palcos locais, como a Hawley Arms ou a Dublin Arms, por onde tantos mitos musicais haviam passado antes dela.
Segundo consta, porém, foi também lá que adquiriu, em parte, o comportamento autodestrutivo que levaria a sua derrocada. Muitas vezes chegava em casa de madrugada, cambaleando, vinda dos bares e pubs onde ficara conhecendo substâncias ilícitas.
Se ocasionalmente até desmaiava em banheiros, em outros dias ela ia para atrás do bar e ajudava a distribuir canecos de cerveja. Para Amy, era importante ser percebida como uma garota do lugar, e não como uma estrela mundial. Hoje em dia, todos esses pubs e outros locais de Camden a recordam, exibindo suvenires que vão de listas de números musicais a álbuns autografados da cantora.
Morte longamente anunciada
A descida de Amy Winehouse à autodestruição foi bem documentada: paparazzi a seguiam por toda parte, tentando fazer sucesso com fotos sensacionalistas da superstar se comportando de modo escandaloso. As câmeras não deram folga nem mesmo quando, em 2011, ela se internou pela segunda vez na conhecida clínica de reabilitação Priory, no sudoeste londrino.
Sua morte por intoxicação alcoólica, semanas mais tarde, aos 27 anos de idade, pode não ter sido exatamente uma surpresa, mas ainda assim deixou traumatizada a comunidade de Camden. Hoje, os fãs continuam indo até a casa dela, na Camden Square nº 30, para visitá-la e depositar flores e outros tributos.
Muitos admiradores de Winehouse ainda lutam para compreender sua espiral de autossabotagem. O amigo e confidente Tyler James, que vivia no mesmo endereço na época de sua morte, afirma que ela simplesmente sucumbiu à pressão de ser uma celebridade.
“Amy nunca quis ser famosa, ela queria ser uma cantora de jazz”, escreveu no recém-lançado My Amy: The life we shared (Minha Amy: A vida que partilhamos), um relato revelador da amizade de ambos.
Mistério inescrutável
James também parece atribuir à família pelo menos parte da culpa pelo resvalo na dependência de drogas, sugerindo que a marca icônica da artista se transformara num negócio familiar que precisava ser mantido, a todo custo, como uma engrenagem bem lubrificada.
O livro despertou a cólera dos Winehouse: como afirmaram em comunicado, ele conteria inexatidões fatuais, por exemplo a alegação de que Amy tomava antidepressivos desde os 14 anos de idade.
Contudo, outras testemunhas confirmam que ela passou por uma fase árdua na adolescência. Recentemente, Catriona Gourlay, outra amiga da cantora, sugere que ela estaria confusa quanto à própria orientação sexual. A família anunciou que contará seu lado da história de Amy num documentário da BBC.
Mas será que ele lançará alguma luz sobre quem foi, verdadeiramente, Amy Winehouse, e quais eventos de sua vida a levaram ao abuso de drogas? O mais provável é que a verdade sobre seu ocaso vá permanecer um segredo complexo, que só ela própria conhecia inteiramente.
Influência indelével na música pop
Desde a morte de Winehouse, diversas artistas, como Lana del Rey e Lady Gaga, seguiram seus passos, ao combinar referências nostálgicas a tempos passados com sons contemporâneos criados pelos mais novos softwares musicais.
“Amy transformou a música pop para sempre. Eu lembro que foi por causa dela que conheci esperança e o sentimento de não estar só. Ela vivia o jazz, ela vivia o blues”, disse Lady Gaga sobre as conquistas musicais da jovem diva.
Acima de tudo, muitos artistas britânicos são gratos a ela por proporcionar um significativo renascimento da música pop nacional, depois que o brilho do britpop de meados dos anos 1990 empalidecera. “Por causa dela eu peguei num violão, e por causa dela eu escrevi minhas canções”, comenta Adele.
Outros artistas britânicos, como Sam Smith, Jessie J ou Florence Welch, do Florence + the Machine, também se beneficiaram do efeito Winehouse: depois dela, os selos fonográficos do Reino Unido voltaram a contratar cantores com vozes grandes e expansivas.
Enquanto as carreiras desses músicos evoluem, também por seus próprios méritos, os dois álbuns de Amy Winehouse, Frank e Back to black, assim como da compilação póstuma Lioness, resistiram à prova do tempo, consagrando-se como obras de arte atemporais, que seguem inspirando ouvintes até hoje.
Por Sertan Sanderson, da Deutsche Welle