Anvisa aprova uso emergencial da Coronavac e Oxford
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou neste domingo (17/01) o uso emergencial de duas vacinas contra a covid-19: a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e o imunizante criado pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca e Universidade de Oxford, que têm parceria com a Fiocruz.
A decisão foi tomada pela diretoria da Anvisa em uma reunião transmitida ao vivo neste domingo, em resposta aos pedidos de registro emergencial feitos em 8 de janeiro pelo Butantan, ligado ao governo de São Paulo, e pela Fiocruz, uma entidade do governo federal.
Os pedidos se referem a 6 milhões de doses da Coronavac importadas prontas da China, e 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca-Oxford, que serão importadas do laboratório Serum, da Índia. Tanto o Butantan quanto a Fiocruz desenvolvem as respectivas vacinas no Brasil.
Cinco diretores da Anvisa votaram neste domingo. Todos seguiram o voto da relatora dos pedidos, Meiruze Freitas, favorável às aprovações. “Guiada pela ciência e pelos dados, a equipe concluiu que os benefícios conhecidos e potenciais dessas vacinas superam seus riscos. Os servidores vêm trabalhando com dedicação integral e senso de urgência”, disse a relatora.
Com a autorização concedida, as vacinas poderão começar a ser aplicadas no país depois que a decisão for oficialmente informada aos respectivos laboratórios.
A primeira etapa de verificação da Anvisa analisou se a documentação e as informações essenciais estavam nos materiais apresentados pelos centros de pesquisa. Após essa triagem, os técnicos da Anvisa passaram a examinar os relatórios enviados e os dados constantes nos requerimentos submetidos.
Ao todo, três áreas da agência fizeram exame da documentação apresentada: a de registro de medicamentos, a de boas práticas de fabricação e a de farmacovigilância de medicamentos. Cada setor elaborou um parecer, todos favoráveis à autorização, que serviram como base para a análise e decisão da diretoria colegiada.
Ao abrir a reunião neste domingo, o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, alertou que, mesmo com o início da campanha de imunização, o país só terá sucesso no combate ao coronavírus se houver “mudança no comportamento social”.
“O momento é de conscientização, união e trabalho. O inimigo é um só. A nossa chance, a nossa melhor chance nesta guerra passa, obrigatoriamente, pela mudança de comportamento social, sem a qual, mesmo com vacinas, a vitória não será alcançada”, afirmou.
Barra Torres se referia às medidas recomendadas por especialistas, autoridades sanitárias e a Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a proliferação do vírus, como o uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos.
Eficácia das vacinas
Em testes realizados no Brasil, a Coronavac obteve uma eficácia geral de 50,38%. O índice indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, independente da gravidade.
Já testes preliminares realizados com o imunizante da AstraZeneca-Oxford apontaram eficácia média de 70,4%. Especialistas afirmam, contudo, que os resultados das duas vacinas não podem ser comparados, já que os estudos foram realizados em público diferente e usando métodos e cálculos diferentes.
Ambos os imunizantes requerem duas doses para atingir sua eficácia máxima de proteção contra a covid-19, e podem ser armazenados em temperatura de geladeira, o que facilita a logística de distribuição pelo país.
Início da campanha
O plano nacional de imunização do governo federal não prevê datas para o início da aplicação das vacinas. Mas em reunião com prefeitos durante a semana, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que a vacinação poderia começar na próxima quarta-feira, 20 de janeiro, caso a Anvisa aprovasse o uso emergencial das vacinas neste domingo.
O Ministério da Saúde informou recentemente que a campanha brasileira teria início de forma simultânea em todos os estados, com a distribuição das doses feita de maneira proporcional à população de cada unidade federativa.
Contudo, para dar largada à campanha o governo federal contava com 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca-Oxford que seriam importados prontos da Índia, mas o voo para buscar os imunizantes acabou sendo adiado depois que o governo indiano declarou que não poderia dar uma data para a exportação de doses produzidas no país.
Assim, o governo federal exigiu que o Butantan entregasse todos os 6 milhões de doses da Coronavac que já estão em seus estoques. Neste domingo, antes da aprovação da Anvisa, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou que determinou a entrega das vacinas ao Ministério da Saúde para que sejam distribuídas a São Paulo e aos demais estados. “O Brasil tem pressa em salvar vidas”, disse Doria.
O governo de São Paulo, que possui um plano de vacinação independente do governo federal, com estimativa de início em 25 de janeiro, informou que poderia antecipar seu cronograma, aplicando a primeira dose já neste domingo, logo após o aval da agência à Coronavac, aposta do governo paulista.
O primeio local a aplicar a vacina será o Hospital das Clínicas, na cidade de São Paulo, que montou uma grande operação para vacinar seus cerca de 28 mil profissionais de saúde na primeira etapa de imunização no estado.
Uma foto em São Paulo da primeira aplicação em território brasileiro tem, contudo, um valor político e deve dar ainda mais combustível à disputa travada ao longo dos últimos meses entre o governador paulista, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro em relação à vacinação.
Guerra das vacinas
A aprovação vem somente semanas depois do início das campanhas de imunização em vários países, como Estados Unidos, Reino Unido e Estados-membros da União Europeia (UE). O Brasil não está apenas atrás de dezenas de países, mas é também a única nação do mundo em que o presidente vem agindo ativamente para sabotar esforços de imunização. Bolsonaro ainda afirmou diversas vezes que não vai se vacinar.
A guerra de Bolsonaro contra as vacinas eclodiu no segundo semestre de 2020, quando avançou a iniciativa paralela do governo de São Paulo para garantir doses de maneira independente, diante da inação da administração federal.
A vacina promovida por um desafeto político provocou a fúria de Bolsonaro. A partir de agosto, o presidente passou a sistematicamente minar a confiança na Coronavac do governo paulista. Em novembro, Bolsonaro chegou a celebrar a morte de um voluntário brasileiro da vacina – num caso sem relação com o estudo – e a suspensão temporária dos testes.
Atrás do governo paulista, a administração federal apostou num acordo com a AstraZeneca para a produção de vacinas, em parceria com a Fiocruz.
Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina, e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, na União Europeia. Contatos com a americana Pfizer no segundo semestre inicialmente não despertaram o interesse do governo.
Bolsonaro também chegou a desautorizar Pazuello quando o ministro mostrou interesse em adquirir a vacina paulista. O lançamento da vacina da AstraZeneca acabou sofrendo atrasos após problemas na análise de dados sobre a eficácia, colocando inicialmente o precário plano de imunização federal em dúvida.
Em dezembro, diante do progresso na elaboração do plano de imunização paulista, o governo finalmente resolveu se apressar. Manifestou interesse pela vacina da Pfizer, mas esbarrou na alta demanda mundial. A Pfizer ainda reclamou dos entraves impostos pelo governo para a aprovação da vacina. A resposta de Bolsonaro foi desdenhar da empresa. “Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente?”
Anúncios contraditórios
Diante do avanço da imunização em outros países, Pazuello começou a fazer anúncios contraditórios e promessas que logo eram desmentidas. Chegou a afirmar que a vacinação poderia começar em dezembro com doses da Pfizer, mesmo depois de a empresa dizer que não poderia fornecer nenhuma dose naquele mês. Em um espaço de dias, ele ainda lançou datas como janeiro, fevereiro ou março para o início da vacinação.
Em dezembro, o governo finalmente apresentou um vago plano de imunização, sem datas e com informações incompletas sobre protocolos de segurança. Cientistas que foram citados como colaboradores reclamaram que nunca tinham visto o documento.
Tardiamente, o governo lançou em dezembro uma licitação para comprar mais de 330 milhões de seringas. O setor que produz o material reclamou que já vinha alertando o governo desde julho para apressar a compra do material. A licitação foi um fracasso. Só 7,9 milhões foram garantidos.
Bolsonaro acabou suspendendo a compra e culpou os fabricantes por supostamente elevarem os preços. No entanto, ele não havia feito objeções em 2020 ao adquirir doses de hidroxicloroquina por três vezes o valor de mercado.
E quando o fracasso da licitação foi revelado pela imprensa, o Ministério da Saúde usou suas redes para publicar um falso desmentido. No entanto, o próprio governo usou o fracasso como justificativa para barrar a exportação de seringas em documento enviado à Secretaria de Comércio Exterior.
Por Deutsche Welle
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