Economia

Campos Neto: ‘Temos que ter mais boa vontade com o governo’

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse hoje (14), em São Paulo, que o mercado financeiro precisa ter “um pouco mais de boa vontade” com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, com uma priorização de gastos, é possível fazer uma política de combate aos problemas sociais aliada a uma política fiscal responsável.

“Dá pra fazer [uma política] fiscal responsável com uma parte social. O Brasil já tinha problemas sociais, a pandemia agravou muito, gerou muita desigualdade. Acho que dá pra casar as duas coisas. Tem que ter uma priorização de gastos, conversei com a ministra Simone [Tebet, do Planejamento] e ela falou muito sobre isso, sobre melhorar a qualidade de gastos com uma avaliação de programas existentes”, disse durante evento com investidores promovido pelo banco BTG Pactual, em São Paulo.

Campos Neto, presidente do Banco Central, sentado durante entrevista coletivia.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (Raphael Rbeiro/BCB/via Agência Brasil)

Programas sociais

Ainda durante o governo de transição, o mercado financeiro mostrou “nervosismo” diante da intenção do governo Lula de aumentar os gastos com programas sociais, o que poderia prejudicar ainda mais a estabilidade fiscal do país, já prejudicada com os gastos do governo com a pandemia de covid-19.

Campos Neto avaliou positivamente o pacote de medidas já apresentadas pelo governo e tem boas expectativas em relação ao novo arcabouço fiscal que será apresentado pelo Ministério da Fazenda, em substituição ao teto de gastos, que limita as despesas do governo à inflação do ano anterior.

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“O investidor é muito apressado, muito afoito. A gente tem que ter um pouco mais de boa vontade com o governo, 45 dias é pouco tempo. Acho que tem tido uma boa vontade enorme do ministro Haddad de falar: ‘temos aqui um princípio de seguir um plano fiscal com disciplina, tem um arcabouço que está sendo trabalhado, já foram elaborados alguns objetivos”, declarou Campos Neto.

Em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve enviar ao Legislativo proposta de lei complementar que estabelece um novo marco fiscal para o país. O governo acredita que isso ajudará a criar um ambiente de atração de investimentos, da mesma forma que o debate da reforma tributária e outros esforços do governo em equilibrar as contas públicas.

O presidente do BC avalia que a recuperação da economia no pós-pandemia deve ser inclusiva e sustentável e que a eleição de Lula para a Presidência da República tirou dois impeditivos para investimentos globais no país, que era a agenda ambiental, deteriorada no exterior no governo de Jair Bolsonaro, e o questionamento institucional das eleições.

“Levantei muito essa bandeira em 2019 [sobre a questão ambiental], que era um tema que definiria se o dinheiro vai voltar ou não. Depois o ângulo institucional teve uma percepção e incerteza em relação a isso. Mas tem a boa vontade, o Brasil fez várias reformas que, no efeito cumulativo, vão trazer capital e acho que precisamos entender que o papel do mercado é muito importante”, disse.

Juros altos e autonomia

Na semana passada, o presidente Lula voltou a criticar o nível da taxa Selic, juros básicos da economia, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Na sua última reunião, o Copom manteve a taxa em 13,75% ao ano, o maior nível desde janeiro de 2017, quando também estava nesse patamar.

Para Campos Neto, é justo e legítimo o questionamento sobre juros altos e “é importante ter alguém que faça esse papel no governo sempre, faz parte do jogo do equilíbrio natural”. Ele entende que é trabalho do Banco Central esclarecer e melhorar a comunicação sobre a política monetária e que isso poderia ser feito com mais frequência e de forma mais didática.

Pensar em uma política monetária e uma política fiscal de longo prazo é importante para ter um crescimento econômico sustentável, explicou o presidente do BC.

“Acho que o governo está na direção certa, tem tido um debate bom, a gente precisa ter boa vontade, falar de juros e ter a crítica [isso] é natural. Quanto mais fortes são as instituições, mais esse debate pode ser intenso sem afetar preços de mercado e expectativas porque as pessoas entendem que esse é um debate natural”, argumentou, defendendo a autonomia do Banco Central.

Segundo ele, o BC quer ser colaborativo, entendendo que é uma instituição de estado, mas que serve como auxiliar em vários tipos de políticas, inclusive prestando opiniões técnicas.

Meta de inflação

A taxa básica de juros, a Selic, é o principal instrumento utilizado pelo BC para alcançar a meta de inflação. Na ata da última reunião, o Copom apresentou projeções de inflação de 5,6% para 2023 e 3,4% para 2024 e indicou piora das expectativas.

A previsão para 2023 está acima do teto da meta que deve ser perseguida pelo BC. Definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta é de 3,25% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é de 1,75% e o superior de 4,75%. Já a projeção para a inflação de 2024 está acima do centro da meta prevista – 3% -, mas ainda dentro dos intervalos de tolerância de 1,5 ponto percentual.

Uma das saídas que estão sendo discutidas para colocar a inflação nos rumos é a elevação da meta pelo CMN. O colegiado é composto pelo ministro da Fazenda, pela ministra do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. A próxima reunião do grupo é nesta quinta-feira (16).

Para Campos Neto, o sistema de metas brasileiro funciona bem, mas como o BC tem apenas um voto em três, na prática quem determina a meta é o governo. Ele reforça, entretanto, que “qualquer coisa que vá no sentido de mudar a regra do jogo não é bom”.

“Se você não está batendo a meta e simplesmente aumenta, o que vai acontecer naturalmente é que os agentes [de mercado] vão precificar a inflação futura na nova meta, mas vão colocar um prêmio de risco maior. Não só não ganha folga, como perde”, argumentou. “Aperfeiçoamentos no sistema de metas são bem-vindos e vão gerar melhorias operacionais e melhorias de eficiência. O BC pode até propor, mas quem tem que decidir é o governo”, disse.

O presidente do BC acrescentou que a meta de inflação não é instrumento de política monetária, mas sim os juros. “É importante respeitar as instituições e jogar as regras do jogo. A regra do jogo é clara, quem determina a meta não é o BC, o BC segue a meta e tem um conjunto de instrumentos disponíveis e tem autonomia operacional dentro desses instrumentos para seguir a meta”, finalizou.

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