Covid-19

Estudo identifica o que torna variante do coronavírus mais contagiosa

Com mais de 200 mil mortes registradas em decorrência da atual pandemia de coronavírus, o Brasil já confirmou dois casos de contaminação por uma nova variante, até 70% mais contagiosa, identificada pela primeira vez no Reino Unido. Ainda não se sabe se a versão mutante do vírus Sars-Cov-2, causador da covid-19, pode agravar o já crítico cenário brasileiro.

Cientistas brasileiros ajudaram a descobrir como essa nova variante atua no corpo humano. Num estudo desenvolvido pelas faculdades de Medicina e de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) do campus de Ribeirão Preto, interior paulista, ainda em fase de revisão, pesquisadores constataram que a mutação no Sars-Cov-2 fez com que ele se tornasse capaz de “grudar” com maior eficiência no receptor encontrado em células humanas. Ou seja, o vírus entra com maior facilidade no corpo.

Segundo Geraldo Aleixo Passos, professor da USP e um dos autores da pesquisa, ainda não se sabe como a mudança no vírus interfere na resposta imunológica do corpo humano infectado, ou se a covid-19 desenvolvida a partir da contaminação será mais ou menos grave. Também questiona-se se as vacinas já desenvolvidas contra a doença terão ou não efeito sobre essa nova variante.

“Essa alteração, que aconteceu na proteína do vírus (spike), vai ter implicações, desde a entrada do vírus na célula humana até a resposta imunológica que o ser humano tem contra o vírus. Essa proteína é um alvo, um antígeno importante na resposta imunológica que a gente monta contra o vírus. Então, qualquer alteração que ocorre na proteína spike é de interesse”, ressalta Passos em entrevista à DW Brasil.

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DW: O que exatamente vocês conseguiram identificar neste estudo que ajuda a entender melhor o poder de contágio da nova variante do coronavírus mais contagiosa?

Geraldo Aleixo Passos: O que aconteceu foi que ocorreu uma mutação exatamente onde o vírus  Sars-Cov-2 se acopla ao receptor humano, chamada de proteína ACE2. Como foi observado que essa linhagem mutante se espalha com mais facilidade que a linhagem original, nós fomos ver se essa mutação exerce um efeito quanto à força de interação com o receptor humano.

O Sars-Cov-2 tem uma proteína chamada spike (ela tem forma de coroa, que dá nome à família dos coronavírus). A mutação encontrada no Reino Unido foi no aminoácido 501 (chamado de N501) que é parte dessa proteína, e que se transformou em N501Y na nova linhagem.

Para o nosso estudo, usamos programas de bioinformática, que são desenvolvidos com essa finalidade. Com a linhagem do vírus original, nós vimos que são estabelecidas duas ligações entre o aminoácido na posição N501 e o receptor da célula humana. Quando fizemos a comparação com a N501Y, que é a mutação, esse Y, que é o aminoácido tirosina, estabelece muito mais interações com o receptor da célula humana ACE2 do que a linhagem original.

Ou seja, a somatória dessas várias ligações entre a proteína spike mutante e a célula humana gerou interações mais fortes. Isso faz com que o vírus entre mais facilmente na célula.

Existe algo nessa mutação que seja diferentes das de outros vírus?

Não tem nada de diferente neste vírus com relação à ocorrência de mutação. Essa ocorrência aparece em qualquer vírus, em qualquer bactéria, em qualquer protozoário. Foi uma troca de aminoácido. A mutação ocorre em qualquer ser vivo.

Agora, se essa mutação é mais benéfica para o vírus ou não, ou se ela vai conferir ao vírus o maior poder patogênico, só o tempo que vai dizer. É muito recente, a mutação foi descrita há praticamente um mês.

Os dados clínicos virão agora. Os médicos irão ver se os pacientes que foram infectados com essa nova linhagem vão desenvolver uma covid-19 mais rapidamente, se será mais forte, ou fraca. Isso não se sabe no momento. Acredita-se, até agora, que não seja mais grave.

É um alerta. A gente não sabe o efeito que essa linhagem pode ter nas pessoas.

Isso pode ter implicação nas vacinas que foram desenvolvidas até agora contra o Sars-Cov-2?

Não se sabe. A resposta imunológica que a gente monta contra uma linhagem pode ser diferente em relação a uma segunda linhagem de um mesmo vírus.

É por isso que a vacina da influenza, a cada ano que passa, tem que ser renovada. A vacina que é dada num determinado ano foi preparada com o tipo de vírus que mais circulou no ano anterior. E, dentro de um ano, acontecem as mutações.

São necessários mais estudos. A nova linhagem foi isolada há pouco tempo. Este é um estudo de pesquisa básica para ver a força de interação entre as moléculas. Será que essa mutação do vírus, do lado hospedeiro, que é o ser humano, vai gerar uma resposta imunológica mais ou menos eficaz? Os anticorpos que nós produzimos contra o vírus e contra essa proteína, spike, serão mais ou menos neutralizantes? Essas perguntas terão que ser respondidas.

Essa alteração aconteceu na proteína do vírus vai ter implicações, desde a entrada do vírus na célula humana até na resposta imunológica que o ser humano tem contra o vírus. Essa proteína, spike, é um alvo, um antígeno importante na resposta imunológica que a gente monta contra o vírus. Então, qualquer alteração que ocorre na proteína spike é de interesse.

É possível fazer alguma previsão sobre como essa nova linhagem pode agravar a pandemia no Brasil?

Tudo vai depender do poder patogênico que essa linhagem tem. É muito cedo pra se concluir algo. As medidas de precaução para evitar a contaminação são as mesmas: uso de máscara, distanciamento social, lavar as mãos com frequência.

Se num espaço de curto a médio prazo os clínicos observarem que a covid-19 provocada por ela é mais forte, acho que as normas de segurança serão endurecidas.

Como a pesquisa foi desenvolvida exatamente?

Nos usamos softwares equipados com algoritmos. Ele faz um certo número de cálculos a partir de um conjunto de dados nós fornecemos ao programa, chamados de input.

Nós colocamos como dados como a estrutura da proteína spike e a estrutura da proteína humana ACE2. Fizemos isso com a linhagem original, isolada há um ano na China, e com a nova linhagem identificada no Reino Unido.

O programa executa uma série de algoritmos que vai considerar a estrutura molecular de cada proteína e como os aminoácidos entre essas duas proteínas interagem, que tipo de ligação química elas estabelecem entre si.

Por comparação, pudemos ver que houve essa mudança de força de interação entre as moléculas. São mudanças sutis que acontecem, mas que têm reflexos muito importantes.

Não foi necessário termos o vírus aqui na faculdade, o vírus isolado. A gente partiu de um banco de dados, que é o Protein Data Bank, em que todas as proteínas de todos os organismos mapeadas por cientistas estão disponíveis. Eles depositam esses dados lá no banco.

Nós consultamos os dados, mas é preciso saber usá-los, saber fazer a pergunta. No momento, o trabalho é computacional. O próximo passo agora é partir para o laboratório.

Por Nádia Ponte, da Deutsche Welle

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