Política

Infectologista diz à CPI que debate sobre cloroquina é “delirante”

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Luana Araújo, médica infectologista (Leopoldo Silva/Agência Senado)

A CPI da Pandemia no Senado ouviu nesta quarta-feira (02/06) a médica infectologista Luana Araújo, que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde para elaborar uma estratégia de enfrentamento da pandemia de covid-19 e saiu do governo ao ter sua nomeação barrada.

Araújo havia sido anunciada em 12 de maio pelo ministro da Saúde Marcelo Queiroga como secretária extraordinária de enfrentamento à pandemia e atuou por breve período na pasta, mas não chegou a ser nomeada. Em 22 de maio, o ministério divulgou nota informando que ela não exerceria a função.

Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre pela Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Araújo é contra o uso da cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19 e defende o isolamento social e o uso de máscaras, posições diversas da do presidente Jair Bolsonaro, que promoveu a cloroquina em diversas ocasiões, é contra o isolamento social e questiona o uso de máscaras.

Após recuar da nomeação de Araújo, Queiroga disse que não tinha recebido pressão do Palácio do Planalto contra o nome dela e que buscaria outro especialista “técnico e baseado em evidências científicas” para o cargo. Alguns dias depois, porém, ele reconheceu que havia faltado “validação política” para a nomeação da médica.

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Ao longo de seu depoimento, Araújo não fez críticas a Queiroga e disse que ele estaria empenhado em buscar soluções para a pandemia.

Passagem relâmpago pelo governo

Araújo afirmou que, antes de assumir o cargo, pediu a Queiroga autonomia para assumir a secretaria e avisou que basearia suas decisões na ciência, e que não foi informada por qual motivo o governo decidiu não nomeá-la.

“Pleiteei autonomia, não subordinação ou anarquia, mas para atingir objetivos precisaria ter autonomia necessária para agir (…) Explicitei a ele, aceitaria o convite para essa posição se me fossem garantidas a autonomia necessária e sempre, sempre fossem respeitadas a cientificidade e tecnicidade”, afirmou.

Araújo disse que ouviu de Queiroga apenas que seu nome “não passaria” pela análise da Casa Civil. “Ele [Queiroga] me disse isso. Que lamentava, mas que o meu nome não ia passar pela Casa Civil. (…) Me chamou ao final e disse que lamentava, mas que a minha nomeação não sairia e que meu nome não teria sido aprovado”.

Ela afirmou aos senadores que, nesses dez dias na pasta, trabalhou normalmente e não recebeu “nenhum centavo” por esse período.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tomou diversas decisões para que o Ministério da Saúde permanecesse alinhado às suas preferências. O ex-ministro Nelson Teich, que ficou apenas 29 dias na pasta, era contra o uso de cloroquina no tratamento de covid-19 e deixou o cargo por não possuir autonomia suficiente para tomar decisões que achava necessárias. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta caiu do cargo por motivo semelhante.

Em seu depoimento à CPI, Queiroga disse que havia recebido autonomia de Bolsonaro para montar sua equipe “conforme critérios técnicos” e que a gestão da pasta era “autônoma”. O ministro prestará um novo depoimento à CPI da Pandemia em 8 de junho e deverá ser questionado sobre o tema. Os senadores querem saber se Queiroga teria mentido ao dizer que tinha autonomia para montar a sua equipe.

Debate sobre cloroquina é “delirante”

Araújo reforçou em diversos momentos a importância do método científico para embasar a tomada de decisões sobre o uso de medicamentos e a formulação de políticas públicas.

“Ciência não tem lado. Ciência é bem ou mal feita. Ciência é ferramenta de produção e conhecimento para servir a população priorizando a vida e a qualidade de vida”, disse.

Ela afirmou que o atual debate sobre o uso de cloroquina e de um pretenso “tratamento precoce” sem eficácia comprovada, tema de diversos momentos da CPI da Pandemia, é algo “delirante”. ‘

O uso da cloroquina ocupou boa parte do depoimento desta terça da CPI, da médica Nise Yamaguchi , e o de Mayra Pinheiro, em 25 de maio, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde e conhecida como “capitã cloroquina”.

“Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. (…) “Todos nós somos a favor de uma terapia precoce que exista. Mas se ela não existe, não pode ser tornada saúde pública. Tratamento precoce é estupidez.  É como se a gente estivesse escolhendo de que lado da borda da terra plana a gente vai pular”, afirmou Araújo, que classificou a defesa do chamado “tratamento precoce” como um “iluminismo às avessas”. “Autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para experimentação”, frisou.

“Falta informação de qualidade”.

Ela afirmou que a estratégia de combate à pandemia no Brasil precisa melhorar a comunicação pública sobre distanciamento social, o uso da máscara e a transmissão do vírus e implementar um programa de testagem em massa para identificar e rastrear as transmissões – tema ao qual ela se dedicou na sua passagem pelo governo.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, exibiu um vídeo com diversas declarações feitas por Bolsonaro que minimizavam a pandemia, como as que o presidente usou o termo “gripezinha” para se referir à covid-19, ou de que a doença era uma “chuva que vai atingir você”, e perguntou a ela qual era a sua avaliação.

Araújo respondeu que era impossível, para quem trabalha com saúde pública, não sofrer um “impacto” diante desse tipo de fala. “Não é possível ouvir um conjunto de declarações, de quem quer que seja (…) sem sofrer um impacto quase que emocional, além do racional. A mim, como médica, infectologista, educadora em saúde, isso me suscita a ideia de que eu preciso trabalhar mais, que preciso informar melhor as pessoas, pois me parece que falta informação de qualidade”, disse. “É uma situação muito complexa e triste.”

Por Deutsche Welle

bl (ots)

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