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Médicos Sem Fronteiras completa 50 anos

“Apesar de estarmos completando 50 anos, não consideramos de forma alguma que isso é algo que devemos celebrar. Gostaríamos que não existisse a necessidade de nossa atuação comunitária. Trabalhamos para que não sejamos mais necessários no mundo.”

A frase, dita pela psicóloga Renata Santos, presidente do conselho da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Brasil, ilustra bem a vocação dessa organização. Fundada na França em 20 de dezembro de 1971 — por médicos e jornalistas que haviam atuado como voluntários na guerra civil na Nigéria na década anterior —, a entidade esteve envolvida em todas as grandes tragédias humanitárias das últimas cinco décadas.

Nesse portfólio somam-se atuações em guerras e outros conflitos armados, em desastres ambientais, epidemias, como HIV e ebola, e durante o fluxo migratório que deixou milhares de refugiados desamparados pelo mundo.

No Brasil, o primeiro projeto que contou com o envolvimento da MSF foi em 1991, no combate a uma epidemia de cólera na região Norte. Equipes da organização se incumbiram de treinar médicos, enfermeiros e agentes de saúde locais para que estes conseguissem atender melhor aos casos da doença. Comunidades indígenas e outros grupos mais vulneráveis passaram, desde então, a receber atenção especial da entidade.

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Na luta contra a covid-19

Desde a chegada da pandemia de covid-19 ao Brasil, esta tem sido a principal frente de atuação da organização. A enfermeira Jamila Fabiana de Oliveira Costa havia acabado de ser contratada quando foi destacada para o trabalho de campo junto aos moradores de rua de São Paulo.

“Era o comecinho da pandemia, abril de 2020. Naquele momento fazíamos a testagem e o monitoramento dos sintomas da população em situação de rua. Ainda não havia muito habilidade sobre o manejo clínico da doença”, recorda ela, que diz estar vivendo covid-19 “24 horas por dia” desde então.

Com a disseminação da nova doença pelo país, os profissionais da MSF passaram a montar UTIs em hospitais e a atuar em novas frentes. Logo, a enfermeira foi destacada para viajar pelo país. Rondônia, Amazonas, Ceará e Bahia foram estados onde ela atuou, sempre na linha de frente do combate ao coronavírus.

Renata Santos, médica, usa boné e camiseta branca, com mochila nas costas e uma agenda debaixo do braço. Aparece cercada por pessoas enquanto fala.
“Trabalhamos para que não sejamos mais necessários no mundo”, diz a médica Renata Santos, que já trabalhou no Iraque pela MSF (Christophe Nougaret/MSF)

Ela conta que o que mais a marcou foi o trabalho junto a comunidades indígenas, mais vulneráveis à nova doença. “Em São Gabriel da Cachoeira [município do Estado do Amazonas], nossa preocupação foi adaptar a assistência para criar vínculos com a comunidade indígena, respeitando sua cultura, sua individualidade”, recorda.

Um exemplo foi entender que as “garrafadas”, bebidas feitas com diversas plantas medicinais, como têm papel importante para essas comunidades, precisavam ser permitidas durante o tratamento. “Porque para eles isso faz parte de uma cura pela espiritualidade. Desde que não prejudicasse o tratamento em si, foram liberadas”, conta a enfermeira.

Pelo mundo

Mas se uma pandemia fez com que o primeiro trabalho de Costa fosse em território nacional, é comum que profissionais da MSF sejam deslocados para bem longe.

O engenheiro Fábio Biolchini Duarte, por exemplo, aproximou-se da organização em 2012, quando ele estava trabalhando, por meio de uma mineradora brasileira, na Guiné-Conacri e se deparou com um projeto da MSF. “Ali entendi que era a minha vocação. Que fazia mais sentido para minha índole ficar mais perto dessa turma do que no setor privado”, lembra.

Fábio Biolchini Duarte, homem branco. Usa barba e bigode. Veste um jaleco da Médicos Sem Fronteira com camiseta branca por baixo. Ao fundo, parte de uma árvore.
O engenheiro Fábio Biolchini Duarte descobriu que a MSF era sua vocação em 2012
(Mariana Abdalla/MSF/via DW)

Ele pleiteou uma vaga e, no ano seguinte, estava trabalhando para a Médicos Sem Fronteiras. Atuou no Haiti, na Turquia, na República Centro-Africana, no Congo, no Paquistão e na Serra Leoa. Como engenheiro, ele acabou assumindo uma posição de coordenação, desenhando e gerindo as tarefas que precisam ser implementadas.

“Nesse tempo, atuei em trabalhos de diversos contextos diferentes, epidemias, guerra civil, tragédias naturais”, recorda. Duarte diz que a missão mais marcante foi atuar durante a guerra civil na República Centro-Africana, com “os civis matando uns aos outros em um conflito que inicialmente era político e, depois, passou a ser religioso”. Ele conta que perdeu 14 quilos nos nove meses em que trabalhou por lá.

Nobel da Paz

Designado para atuar na contenção da covid-19 no Brasil, Duarte avalia que a sensação foi emocionalmente diferente. “Quando saímos e vamos para outro lugar, há sempre aquele conforto de pensar que a nossa casa, a nossa família não está afetada pela crise em que estamos. Com a covid-19 foi diferente: a doença chegou ao Brasil e foi arrasadora. Eu nunca tinha visto tanto cadáver em minha vida”, comenta. “E em um país que não é dos piores em termos de estabilidade política, relativamente rico em comparação com os africanos. Mesmo assim, foi uma calamidade.”

“Essa sensação de perda de segurança foi muito abalante para mim e para muitos colegas”, afirma.

Em 1999, a Médicos Sem Fronteiras foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz. A diretora-executiva de MSF-Brasil, Ana de Lemos, diz que ser parte da organização “é um orgulho e um privilégio”. Ela resume o trabalho desempenhado pela instituição com um lema: “Salvar vidas e levar dignidade às pessoas no momento em que elas mais são privadas dela”.

Por Edison Veiga, da Deutsche Welle

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