Aposta da Europa em hidrogênio verde abre janela ao Brasil
O hidrogênio verde, desenvolvido a partir de fontes renováveis, foi escolhido pela Alemanha e pela União Europeia como meio para alcançar neutralidade na emissão de carbono até 2050 e fazer a transição para uma economia limpa.
Como o bloco não tem condições de produzi-lo na quantidade necessária, está em formação um mercado internacional de hidrogênio no qual países com áreas disponíveis, sol e vento, como o Brasil, podem se tornar exportadores.
O impulso para a adoção do hidrogênio verde é recente. Em junho, a Alemanha anunciou sua estratégia nacional, com um pacote de 9 bilhões de euros para desenvolver a sua produção, armazenamento e transporte, dos quais 2 bilhões de euros serão destinados a parcerias com outros países.
Em julho, a Comissão Europeia também apresentou sua estratégia de hidrogênio, segundo a qual até 2030 o insumo deve ser parte “intrínseca” do sistema energético do bloco.
O estado atual da tecnologia e oportunidades para o Brasil foram discutidos nas últimas segunda e terça-feira (05 e 06/10), no 1º Congresso Brasil-Alemanha de Hidrogênio Verde. Ele foi organizado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha e pela agência alemã de cooperação internacional GIZ, com representantes de companhias, da academia e da Empresa de Pesquisa Energética, estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
O hidrogênio é obtido a partir da eletrólise da água, em um processo simples que muitas crianças fazem como experimento de ciências no Ensino Fundamental. Nele, uma corrente elétrica quebra a molécula de água e cria moléculas de oxigênio e hidrogênio. A tecnologia para fazer isso em grande escala e transportar o combustível de forma segura, evitando explosões como a do dirigível Hindenburg, já está avançada, mas consome muita eletricidade.
O mercado trabalha com três tipos de hidrogênio. O verde, desejado pela União Europeia, é produzido usando apenas energia de fontes renováveis, que responde por 95% do seu custo final. O azul é extraído do gás natural, e o gás carbônico resultante é capturado e enterrado no solo. O cinza, por sua vez, é produzido com combustíveis fósseis, como diesel ou carvão, com liberação do gás carbônico na atmosfera.
Um dos usos possíveis do hidrogênio é alimentar células de combustível que produzem uma corrente elétrica para movimentar motores, em uma reação que libera vapor de água — especialmente útil em veículos pesados, como caminhões ou navios, nos quais o uso de baterias grandes e pesadas reduz a autonomia do deslocamento, mas que dependeria da criação de rede de postos de abastecimento. Em setembro, a Daimler apresentou seu primeiro caminhão com motores elétricos alimentados por células de hidrogênio.
O hidrogênio também pode ser usado em processos industriais, como na produção de fertilizantes e na siderurgia, para produzir aço sem a necessidade de carvão coque. Misturado ao gás natural, também serve para movimentar usinas termelétricas.
A escolha da Europa
No Brasil, a necessidade de encontrar rapidamente alternativas aos combustíveis fósseis não é tão urgente. A matriz energética do país é composta por 83% de fontes renováveis, das quais a hidrelétrica é a principal. Já na União Europeia, 70% da matriz energética é baseada em combustíveis fósseis, o que aumenta a pressão pela busca de outras fontes. O bloco já esgotou seu potencial hidrelétrico, e os parques eólicos e solares são fontes intermitentes de eletricidade, que dependem do vento e sol, desafiando o fornecimento estável ao longo do ano sem o uso de baterias.
O aquecimento global e a sustentabilidade ambiental, por sua vez, são temas com cada vez mais relevância política na Europa, que estabeleceu metas ambiciosas de redução de emissões. Também preocupa os europeus a segurança energética, para que o bloco não dependa tanto do gás russo, como indica a controversa construção no gasoduto Nord Stream 2.
“Com a estratégia de criar um mercado mundial de hidrogênio, a Europa consegue atingir dois grandes objetivos. Um é segurança energética, poder comprar hidrogênio de muitos países. Qualquer país que tiver energia renovável e quiser produzir e exportar hidrogênio, a Europa vai ser um grande consumidor. E, importando hidrogênio verde, atinge seu objetivo de ser carbono zero em 2050”, afirma o economista Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O coronavírus acabou dando um empurrão inesperado ao hidrogênio verde. Ao definir o pacote de estímulo para a economia se recuperar da pandemia, a Alemanha decidiu priorizar tecnologias verdes. A ministra do Meio Ambiente alemã, Svenja Schulze, declarou que a estratégia de hidrogênio daria um “duplo impulso” ao país, fortalecendo a proteção do clima e a recuperação da economia.
A inserção do Brasil
Para obter o hidrogênio verde necessário às suas metas, a Alemanha tem interesse em estimular a produção do insumo em outros países, a partir de parques eólicos e solares criados para esse fim, que seria depois exportado. Além do sul da Europa e da África, o Brasil é um parceiro potencial.
Nesse modelo, um dos cenários possíveis são empresas ou governos de países europeus contratarem empresas brasileiras para produzir energia elétrica renovável e usar essa energia para produzir hidrogênio verde para exportação, com financiamento externo para a construção das usinas.
Segundo Castro, uma das vantagens no Brasil nesse tema é a estabilidade de seu marco jurídico do setor elétrico, e ele prevê uma queda sensível do custo de produção nos próximos anos. “Hoje ainda é uma tecnologia cara, como a eólica e a solar eram caras há dez anos. Mas o que é caro hoje ficará barato rapidamente, porque vai aumentar a escala. A vantagem é que o custo da energia elétrica renovável já está muito barato”, diz.
O Chile já decidiu investir na construção de plantas produtoras de hidrogênio verde e deve inaugurar sua primeira em 2022, ao norte de Punta Arenas, à base de energia eólica. E a empresa alemã Thyssenkrupp está construindo na Arábia Saudita o que deve se tornar a maior planta produtora de hidrogênio verde do mundo, com potência de 3 Gigawatts a partir de fontes solares. Ela entrará em operação em 2025 e será voltada à exportação do insumo.
Paulo Alvarenga, CEO da Thyssenkrupp para a América do Sul, afirma que, além de exportar hidrogênio verde, o Brasil deveria usá-lo para produzir fertilizantes em seu território. “O Brasil importa 80% dos fertilizantes nitrogenados que a gente consome, sendo que um quarto de nosso PIB está ligado ao agribusiness”, diz.
Hidrogênio a partir de etanol
Uma alternativa para o Brasil usar o hidrogênio em sua matriz energética seria produzi-lo a partir do etanol, em vez da eletrólise da água. Em 2016, a Nissan apresentou um carro que usava uma célula de combustível para transformar o etanol em hidrogênio, que em seguida gera uma corrente elétrica para movimentar o motor.
Desde 2018, a montadora japonesa tem uma parceria com o Laboratório de Genômica e Bioenergia da Universidade Estadual de Campinas para aprimorar a tecnologia. O geneticista Gonçalo Pereira, que coordena o estudo, afirma que nesta fase eles estão desenvolvendo um projeto de reformador, aparelho que converte o etanol em hidrogênio, tendo como subproduto o gás carbônico.
“Países com biomassa grande não têm necessidade da tecnologia mais cara do hidrogênio verde. Aqui podemos pegar o etanol, que é um cacho de hidrogênio e já está cheio de energia”, afirma. Segundo ele, um carro com motor a explosão movido a etanol converte 25% do combustível em energia, enquanto em um veículo movido a célula de combustível teria uma eficiência maior que 60%. “E com um combustível líquido, fácil de transportar”, diz, lembrando que o carbono emitido não tem origem fóssil, já que foi capturado pela cana de açúcar.
Ele é cético quanto ao uso do hidrogênio verde no Brasil, devido ao seu custo de produção, e tem críticas à disseminação em larga escala de automóveis elétricos movidos a bateria, produzidas com metais encontrados em poucos países. “É uma tecnologia que precisa de um bem esgotável e mal distribuído. [Irá provocar] confusão geopolítica do mesmo jeito que o petróleo. O que a gente acredita é que dá para fazer motores sofisticados usando o etanol como bateria”, diz.
Por Bruno Lupion, da Deutsche Welle