Mundo

Biden será o novo presidente dos EUA, indicam projeções

joe biden
Joe Biden com a vice Kamala Harris (Fotos Públicas/Reprodução)

Após uma das campanhas eleitorais mais tensas e tumultuadas das últimas décadas, o democrata Joe Biden venceu a disputa pelo cargo mais poderoso do mundo. Neste sábado (07/11), ele superou a marca de 270 votos no Colégio Eleitoral dos Estados Unidos, após conquistar a vitória na Pensilvânia, segundo projeções da imprensa americana.

“América, estou honrado de ter sido escolhido para liderar nosso grande país. O trabalho à nossa frente será duro, mas eu prometo: serei um presidente para todos os americanos, tenham vocês votado em mim ou não”, afirmou Biden no Twitter.

Com o resultado, Donald Trump se tornou o primeiro presidente americano no cargo a perder a reeleição desde George H. Bush, em 1992. 

Siga nosso canal no Whatsapp

Trump se recusou a reconhecer a vitória do adversário e afirmou, num comunicado, que sua campanha está abrindo um processo legal “para garantir que as leis eleitorais sejam completamente respeitadas e que o vencedor legítimo seja empossado”.

O resultado é divulgado num momento particularmente tenso nos EUA, que segue como a nação mais atingida do mundo pela pandemia de covid-19. Além disso, há semanas Trump vem tentando minar a confiança no processo eleitoral, no que vem sendo encarado como a maior ofensiva contra a democracia americana em décadas. Há ainda o temor de que o resultado possa desencadear violência nos próximos dias. 

Trump fomenta desconfiança

Nas últimas horas, Trump, já em desvantagem na disputa, passou a propagar com mais insistência que as eleições estavam sendo fraudadas, sem apresentar provas. Algumas de suas publicações no Twitter chegaram a ser sancionadas pela rede social, por espalharem informação falsa. Na quarta-feira, o presidente chegou a ponto de declarar vitória no pleito, muito antes da apuração estar completa, durante um discurso na Casa Branca.

Na quinta-feira, Trump voltou a afirmar que estava sendo vítima de fraude, conforme sua situação foi piorando nas contagens dos últimos estados que ainda tinham apurações em andamento. “Se você contar os votos legais, eu ganho facilmente. Se você contar os votos ilegais, eu podem roubar a eleição de nós”, disse, sem apresentar qualquer prova para sustentar a acusação. Ele ainda disse que estava prevendo “bastante litígio” se o resultado fosse desfavorável. 

Oficialmente, o vencedor da eleição só é anunciado em 14 de dezembro, quando os delegados de todos os 50 estados se reúnem em Washington no colégio eleitoral para confirmar os resultados estaduais. Não há nos EUA um órgão central que compile os resultados estaduais. Normalmente, o resultado é projetado logo após o pleito pela imprensa e pelas campanhas. O anúncio do desfecho da eleição é facilitado quando um dos lados concede a derrota. No caso, de Trump isso deve ser um complicador.

Não está claro se o republicano pretende reconhecer derrota nas próximas horas, mas ele já deu sinais de que não pretende fazê-lo. Seria inédito em toda a história americana um presidente se agarrar ao cargo dessa maneira. 

Nas últimas semanas, Trump já vinha indicando que pretende contestar o resultado nos tribunais, especialmente na Suprema Corte, onde o republicano indicou três dos nove juízes. Sua campanha também chegou a pedir recontagens em vários estados-chave, mas não foi bem-sucedida. Os republicanos ainda agiram para tentar barrar a contagem de votos em três estados. As ofensivas causaram ultraje nos EUA e foram criticadas até mesmo por alguns republicanos.

Paralelamente, Trump também celebrou os bons resultados do Partido Republicano na eleição para a Câmara dos Representantes, mas neste caso evitou apontar qualquer suspeita de fraude no pleito.  

Analistas, jornalistas e grupos que monitoram eleições têm acusado o presidente de minar o sistema eleitoral e a democracia americana como forma de se manter no poder. Até mesmo nomes influentes do Partido Republicano têm evitado endossar as acusações do presidente.

Não é a primeira vez que Trump recorre a esse tipo de tática sem qualquer base. Em 2016, ele venceu no colégio eleitoral, mas perdeu no voto popular para Hillary Clinton. Com o ego ferido, disse que os democratas haviam arregimentado milhões de imigrantes ilegais para votar. Uma comissão foi formada pelo seu governo para investigar. Nenhum evidência de irregularidade foi encontrada, e o colegiado foi extinto em 2018.

A agressividade de Trump durante o pleito indica que o processo de transição também não deve ser fácil. O resultado relativamente apertado nesta que foi a eleição mais disputada desde 2000 e o fato de Trump ter chegado a ampliar seu eleitorado em relação ao pleito de 2016 ainda devem reverberar pelas próximas semanas. Muitos apoiadores de Trump já estão espalhando nas redes versões falsas sobre a eleição ter sido roubada, elevando ainda mais a tensão sobre o processo de transição.

Apuração demorada

O anúncio do resultado ameaçou se arrastar por dias ou até semanas diante das condições atípicas desta eleição, marcada pela pandemia e que registrou um número recorde de votos antecipados e enviados pelo correio.

Biden apareceu à frente de Trump nas pesquisas de voto popular ao longo de praticamente toda a campanha, mas devido ao complicado sistema eleitoral dos EUA, o desfecho era incerto.

Ao final, Trump mais uma vez se saiu melhor do que vários institutos de pesquisa haviam previsto. Ele garantiu estados como a Flórida ao expandir sua influência entre o eleitorado latino do estado. Veículos da imprensa americana apontam que membros dessa comunidade foram inundados com fake news de extrema direita nos últimos dias.

Ao longo da madrugada pós-eleição, Trump chegou a parecer que estava diante de uma vitória, mas Biden foi diminuindo a vantagem do adversário em estados cruciais, como Geórgia e Pensilvânia, à medida em que votos pelo correio enviados de bastiões democratas em grandes centros urbanos eram contados.

Comparecimento recorde às urnas

O pleito de 2020 também foi marcado por aquela que pode ser a maior participação do eleitorado em 120 anos, segundo estimativas. De acordo com levantamentos, mais de 66% dos eleitores participaram, seja comparecendo presencialmente, seja enviando o voto pelo correio. Biden se tornou o candidato a presidente com a maior quantidade de votos populares da história americana, superando o recorde de Barack Obama, a quem serviu como vice-presidente.

A derrota de Trump e a vitória de Biden também têm outro elemento histórico: os EUA agora têm sua primeira vice-presidente do sexo feminino, a senadora pela Califórnia Kamala Harris. Com 55 anos, ela também injeta diversidade no cargo por sua ascendência negra-caribenha e indiana.

Resultado tem impacto global

A saída de Trump ainda deve ter forte impacto nas relações dos EUA com o mundo. Ao longo de quatro anos, o republicano promoveu uma política de sabotagem do multilateralismo, alienando vários aliados pelo mundo. A imagem do país também derreteu mundo afora. Nos EUA, a submissão do governo ao temperamento imprevisível de Trump e sua administração por meio de mensagens pelo Twitter também provocaram fissuras na política americana. Ainda durante a contagem, Biden anunciou que pretende reverter medidas de Trump, como a retirada do Acordo Climático de Paris.

Para países como o Brasil, a derrota de Trump e a ascensão de Biden também devem ter impacto. O presidente Jair Bolsonaro alinhou seu governo aos EUA de Trump e sua relação com Biden não deve ser fácil. Ainda na quarta-feira, Bolsonaro dizia que estava torcendo por Trump, uma figura que o presidente brasileiro faz questão de dizer que idolatra.

Biden, meio século de trajetória política

Biden, com 77 anos, é de longe o candidato mais velho a conquistar a presidência dos EUA. Ele terá 78 anos quando tomar posse, em janeiro.

Católico de uma família de classe trabalhadora, Joseph Robinette “Joe” Biden Jr. tem uma carreira política que se entende por mais de meio século. Ele passou a disputar cargos em 1969, montando sua base eleitoral em Delaware. Entrou para o Senado em 1973, aos 30 anos, e até hoje detém o recorde de terceiro senador mais jovem da história dos EUA no século 20.

Ele também chega à Casa Branca mais de três décadas depois de sua primeira tentativa de representar a legenda na disputa presidencial. Ele tentou duas vezes emplacar uma candidatura, em 1988 e 2008, mas em ambas falhou em conquistar a simpatia do eleitorado democrata.

Biden (centro) toma posse como senador em 1973, no hospital onde seu filho, Beau, estava internado

Sem o dom para a oratória e o carisma de outros tantos políticos democratas, como Barack Obama ou John Kennedy, ou seguidores apaixonados como Bernie Sanders, Biden jamais foi o tipo de candidato que entusiasma o eleitorado. Muitos democratas admitem que ele estava longe de ser o candidato ideal, especialmente para a ala que tenta puxar o partido para a esquerda. Seu carisma e personalidade amigável também costumam se manifestar melhor com pequenas plateias e contato direto – algo que foi bastante dificultado pela pandemia. Para piorar, ele sempre foi dado a gafes.

No lugar certo, na hora certa

Em 2020, no entanto, essa personalidade moderada e pouco polarizadora acabou se mostrando uma receita vencedora diante do populismo de Trump, um dos presidentes mais divisivos da história americana. Trump, que deve parte de sua ascensão em 2016 aos ataques incendiários que distribuiu contra seus concorrentes, teve dificuldade de pintar “Joe sonolento” (como se referia a ele) como um vilão ou um “comunista”, ao contrário do que ocorreu com Hillary Clinton. O democrata também foi beneficiado por esta eleição ter sido transformada num plebiscito sobre a era Trump, que teve seu último ano marcado pela gestão errática da pandemia e o declínio da economia.

Depois de quatro anos de montanha-russa trumpista, estava aberto o caminho para um “candidato normal”. Em agosto, Biden resumiu a disputa como “uma batalha pela alma dos Estados Unidos”. Em março, Biden parecia liquidado em mais uma disputa pela indicação do Partido Democrata, mais viu sua então pré-candidatura ressurgir das cinzas na chamada primária da “Super Terça” no sul do país.

Durante a pré-campanha e a disputa direta com Trump, ele apelou de maneira sistemática para seus oito anos de experiência como vice-presidente ao lado do “amigo” Barack Obama na Casa Branca, uma arma que se revelou determinante para conquistar o eleitorado negro do país.

Dramas pessoais

Sua trajetória pessoal também contou com uma forma de angariar empatia entre o eleitorado. Biden tem uma vida marcada por tragédias. Menos de um mês após sua primeira eleição para o Senado em 1972, sua primeira esposa, Neilia Hunter, e sua filha de 1 ano morreram em um acidente de carro quando saíram para comprar uma árvore de Natal. Seus dois filhos ficaram gravemente feridos, mas sobreviveram ao acidente. No entanto, o mais velho, Beau, morreu vítima de câncer em 2015.

Seu outro filho, Hunter, um advogado que atua como lobista, foi uma potencial fonte de problemas para Biden ao longo da campanha. Ele recebeu somas elevadas para fazer parte do conselho de uma empresa de gás ucraniana quando o pai era vice-presidente de Obama entre 2009 e 2016, o que rendeu acusações de que Hunter usou essa ligação em benefício próprio.

Trump, que mesmo antes do início da pré-campanha democrata já dava sinais de ver Biden como seu adversário mais perigoso numa eleição, pressionou o governo da Ucrânia a investigar Biden pelos negócios de Hunter. O republicano recorreu até mesmo ao congelamento de verbas para os ucranianos como forma de emparedar Kiev. Isso rendeu um processo de impeachment, que acabou barrado no Senado, de maioria republicana.

Hunter nunca foi investigado pelo caso, mas Trump tentou explorar a questão sempre que teve a oportunidade durante a campanha de 2020, mas o espantalho não funcionou como suas manobras similares em 2016 contra Hillary. Com o caso Hunter não rendendo o esperado, Trump passou a se concentrar em pintar Biden como um idoso gagá.

Aceno a bandeiras progressistas

Apesar de não ter sido recebido com entusiasmo pela esquerda do Partido Democrata, Biden demonstrou ao longo da carreira que nunca temeu abraçar posições mais progressistas, embora de maneira mais lenta do que alguns desejariam.

Em 2012, como vice, ele disse que estava “absolutamente confortável” com o casamento gay, forçando Obama a acelerar seu apoio explícito a tais uniões e contribuindo para que a Suprema Corte as legalizasse, em 2015. Nos anos 1990, em contraste, Biden votou a favor de uma medida que na prática barrava homossexuais declarados de servir nas Forças Armadas.

Ele também foi muito criticado por ajudar na redação de uma lei de 1994 que muitos democratas acreditam ter provocado a detenção de uma quantidade desproporcional de cidadãos negros. Recentemente, Biden reconheceu que essa iniciativa foi um erro.

Mas essa forma lenta de abraçar novas posições também é uma faceta de uma personalidade que não se prende a dogmas e que acompanha as mudanças de humor do eleitorado. Em 2002, por exemplo, ele votou a favor da invasão do Iraque na esteira dos ataques de 11 de Setembro, uma causa que era popular entre a maior parte dos americanos. Em 2008, quando a guerra já havia virado um atoleiro para os americanos, defendeu a retirada das tropas.

São mudanças que podem ser encaradas como oportunismo, mas que também costumam ser vistas como pontos fortes, dependendo do personagem. Nesse sentido, Biden compartilha similaridades com a chanceler federal Angela Merkel, outra personalidade que caminhou para o centro e que ao longo da trajetória reverteu suas posições sobre energia nuclear e imigração seguindo o humor da população. 

Por Jean-Philip Struck, da Deutsche Welle

0 0 votos
Avalie o artigo

Se inscrever
Notificar de

0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Mais desta categoria

Botão Voltar ao topo
0
Está gostando do conteúdo? Comente!x
Fechar

Bloqueador de anúncios

Não bloqueie os anúncios