Política

‘Farra dos pastores’: Pedido de CPI aproxima crise no MEC a Bolsonaro

A quatro meses da eleição, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta agora uma nova frente de desgaste para seu governo, além da inflação, dos preços dos combustíveis e da pobreza: as suspeitas de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação (MEC), que podem virar objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado.

O caso veio à público em 18 março, em uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, e dez dias depois provocou a renúncia do então ministro da Educação, Milton Ribeiro. O tema ficou dormente nos meses seguintes, mas voltou à tona em 22 de junho, com a deflagração da Operação Acesso Pago, da Polícia Federal (PF).

Ribeiro foi preso preventivamente – e solto no dia seguinte – e interceptações telefônicas levantaram suspeitas de que Bolsonaro sabia com antecedência da operação e teria alertado seu ex-ministro, o que ele nega.

Pastores com Jair Bolsonaro e o ministro Luiz Eduardo Ramos
Pastor Gilmar Santos, Presidente da República, Jair Bolsonaro, ministro da secretaria geral, Luiz Eduardo Ramos, e o pastor Arilton Moura (Carolina Antunes/PR)

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), conseguiu reunir 28 assinaturas, uma a mais do que o necessário, para instalar a CPI do MEC, e o pedido pode ser protocolado nesta terça-feira (28/06). Depois disso, dependerá do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ler o requerimento e instalar o colegiado – um cenário desconfortável para Bolsonaro, que veria o escândalo crescer e ser explorado politicamente às vésperas do início de sua campanha à reeleição.

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O governo está tentando convencer alguns dos senadores que assinaram o requerimento para que retirem o apoio à CPI. Do lado da oposição, Renan Calheiros (MDB-AL), que está licenciado do cargo e foi um relator combativo ao governo durante a CPI da Pandemia, indicou que reassumirá seu mandato de senador se a CPI for instalada, para atuar nela.

O que se sabe sobre o suposto esquema

O inquérito da PF aponta cinco suspeitos principais: Além do ex-ministro Ribeiro, que é pastor presbiteriano, o pastor Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, o pastor Arilton Moura, diretor do Conselho Político da mesma convenção, Helder Diego da Silva Bartolomeu, ex-assessor da prefeitura de Goiânia e genro de Moura, e Luciano de Freitas Musse, ex-gerente de Projetos da Secretaria Executiva do MEC.

Os pastores Santos e Moura não exerciam cargos públicos, mas tinham acesso privilegiado ao Palácio do Planalto. Segundo os registros de acesso ao edifício, de janeiro de 2019 a fevereiro de 2022, Moura esteve 35 vezes no Planalto e Santos, dez vezes.

A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo que revelou o caso apontou que ambos os pastores participavam da definição da agenda do então ministro e agiam como lobistas para a liberação de recursos federais para municípios, operando uma espécie de “gabinete paralelo” formado por figuras sem vínculo formal com a pasta e que agiam nas sombras, longe do escrutínio público.

O inquérito da PF afirma que Santos e Moura usavam sua proximidade de Ribeiro para cooptar prefeitos interessados em obter a liberação de verbas do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para seus municípios. A liberação dessas verbas, contudo, dependeria do pagamento de propina, sob a justificativa de apoio à construção de templos religiosos. O caso ganhou o apelido de “farra dos pastores”.

O prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que o pastor Arilton lhe pediu 1 kg de ouro em troca de conseguir a liberação de verbas para o sistema educação da sua cidade. A solicitação teria sido feita em abril de 2021, num restaurante de Brasília.

“O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões, para outro, tantos milhões'”, detalhou o prefeito

A PF afirma que Ribeiro conferia “prestígio” do governo federal à atuação dos dois pastores. Musse é suspeito de ser um infiltrado do esquema na pasta para viabilizar a liberação de recursos, enquanto Bartolomeu teria recebido uma propina de R$ 30 mil do esquema a pedido de Moura.

As perguntas sobre o papel de Bolsonaro

Um dos principais objetivos do requerimento para instalar a CPI do MEC é esclarecer se Bolsonaro sabia e tinha dado aval ao suposto esquema e se ele, em função do cargo que exerce, tinha conhecimento da operação da PF que seria deflagrada contra Ribeiro e avisou seu ex-ministro com antecedência.

A suspeita de que Bolsonaro sabia do esquema veio à tona em 21 de março, quando o escândalo já havia estourado, mas Ribeiro ainda seguia ministro. Nessa data, o jornal Folha de S.Paulo divulgou um áudio no qual Ribeiro afirma que uma de suas prioridades era “atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, e que agia assim a pedido de Bolsonaro.

Com a bandeira do Brasil ao fundo, Milton Ribeiro ora com uma mão levantada para o alto e a outra segurando o microfone. Ele aparece com os olhos fechados.
Milton Ribeiro, ex-ministro da educação (Alan Santos/PR)

“A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar […] Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”, afirmou Ribeiro. “O apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível], é apoio sobre construção das igrejas”, disse o então ministro.

A suspeita de que o presidente sabia da operação da PF e alertou seu ex-ministro baseia-se em ao menos três fatos. O mais relevante é um telefonema entre Ribeiro e sua filha, interceptado pela PF e vazado à imprensa. Nessa conversa, ocorrida em 9 de junho, Ribeiro diz que havia recebido uma ligação de Bolsonaro na qual o presidente disse achar que fariam uma busca e apreensão na casa do ex-ministro, o que acabou ocorrendo.

“Hoje o presidente me ligou… Ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? (…) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa”, afirmou Ribeiro, segundo transcrição de interceptação telefônica.

Além disso, no dia da prisão de Ribeiro, sua esposa, Myrian Ribeiro, afirmou a um interlocutor que seu marido “tava sabendo” da operação contra si. “No fundo ele não queria acreditar, mas ele tava sabendo. Pra ter rumores do alto, a coisa… é porque o negócio já tava certo”, afirmou ela, segundo telefonema também interceptado pela PF. Para os investigadores, isso reforçaria a suspeita de vazamento da operação.

Por fim, o delegado federal Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de prisão preventiva de Ribeiro, disse em mensagem enviada a colegas ter havido “interferência na condução da investigação”. Na mensagem, ele menciona que a equipe responsável pela prisão de Ribeiro, em Santos, estava orientada a levá-lo para a sede da PF em Brasília, mas, “por decisão superior”, foi mantido na superintendência da PF em São Paulo. “O principal alvo (…) foi tratado com honrarias não existentes na lei”, afirmou.

Na quinta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou, em um ofício enviado ao juiz Renato Coelho Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, que autorizou a prisão preventiva de Ribeiro, que havia “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.

Por esse motivo, o MPF solicitou o envio dos autos do processo para análise do Supremo Tribunal Federal (STF) – determinado no mesmo dia por Borelli. Bolsonaro tem foro privilegiado por exercer o cargo de presidente, e investigações que envolvam seu nome devem ser conduzidas no âmbito do Supremo.

O juiz Borelli pediu que a ministra Cármen Lúcia, responsável por supervisionar a investigação sobre Ribeiro quando ele ainda era ministro, decida se a atual investigação deve seguir na Justiça Federal ou se parte do inquérito deve ficar no Supremo.

Presidente oscila, e citados negam irregularidades

A postura de Bolsonaro a respeito de Ribeiro tem oscilado desde que o escândalo veio à tona. Em março, quando as primeiras reportagens sobre o “gabinete paralelo” no MEC foram publicadas, o presidente defendeu Ribeiro e disse que colocaria sua “cara no fogo” pelo então ministro.

Na quarta-feira, data da prisão de Ribeiro, Bolsonaro mudou o tom e disse que o ex-ministro é que deveria responder por eventuais irregularidades. “Se tem prisão, é Polícia Federal, é sinal de que a Polícia Federal está agindo. Ele responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum. Mas, se tem algum problema, a PF está agindo, está investigando, é um sinal que eu não interfiro na PF, porque isso aí vai respingar em mim, obviamente”, afirmou o presidente em uma entrevista à rádio Itatiaia.

No dia seguinte, Bolsonaro afirmou que “exagerou” ao dizer que colocaria “a cara no fogo” pelo ex-ministro, mas disse que continuava a confiar em Ribeiro e colocaria “a mão no fogo por ele”.

Na sexta-feira, o advogado Frederick Wassef, que defende a família Bolsonaro, tentou afastar o presidente do escândalo e disse que Ribeiro havia usado o nome de Bolsonaro “sem consentimento”. “Ele usou o nome do presidente sem conhecimento, sem autorização. Cada um se explique pelo que fala”, afirmou Wassef, em entrevista no Palácio do Planalto. “Compete ao ex-ministro explicar por que ele usa o nome do presidente de forma indevida.”

No domingo, Bolsonaro defendeu Ribeiro em uma entrevista a simpatizantes. “O Ministério Público foi contra a prisão do Milton. Não tinha mínimo indício de corrupção por parte dele e no meu entender ele foi preso injustamente”, afirmou.

Todos os citados no inquérito da PF negam irregularidades. O advogado de Ribeiro, Daniel Bialski, afirmou ainda que “causa espécie” a menção a autoridade com foro privilegiado na interceptação telefônica. “Se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade”, disse.

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