Música e religiosidade do bloco Ilê Aiyê em São Paulo
Daniel Mello/Agência Brasil
Na primeira vez que o bloco do Ilê Aiyê desfilou pelas ruas de Salvador, os participantes temiam que o cortejo de carnaval fosse interrompido pela repressão policial. Era época da ditadura militar e a própria existência do grupo, fundado no ano anterior, em novembro de 1974, era uma forma de protesto à prática dos blocos tradicionais de não permitirem negros nos desfiles.
“Nos anos 1970, você assumir que era de candomblé, assumir que era negro, era muito difícil”, relembra Antonio Carlos dos Santos, mais conhecido como Vovô, um dos fundadores do Ilê. O depoimento faz parte da mostra que relembra os 44 anos do bloco, chamado de “o mais belo dos belos”, aberta hoje (3) no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, região central da capital.
Integrado apenas por negros, o bloco continuou alegrando as ruas da capital baiana e se tornou referência no resgate da memória da resistência negra. “Houve uma migração de estudantes de escola pública e privada para virem ao Curuzu [bairro popular de Salvador] saber quem eram essas personagens que a gente tanto cantava. Isso não estava na historiografia oficial, os professores não sabiam”, conta em vídeo a diretora da agremiação, Arany Santana, sobre as músicas que celebravam figuras como Dandara e Zumbi dos Palmares.
História em quatro cores
A ocupação Ilê Aiyê foi disposta no espaço cultural a partir das quatro cores do bloco. Começa pelo preto, trazendo as histórias das pessoas que construíram o grupo. Nessa parte, é possível ouvir a voz de Luedji Luna interpretando Luz cantada a capela, uma das composições do bloco. A trilha sonora é composta ainda pelo som do mar e com a menção a nomes importantes da luta antirracista. Fotos apresentam Mãe Hilda Jitolu, mãe de Vovô, ialorixá e também fundadora da agremiação, que morreu em 2009.
O vermelho vem em seguida, invocando a luminosidade do candomblé e da cultura negra. Com depoimentos dos integrantes do bloco, o visitante pode conhecer as crenças do grupo. Projeções mostram o carnaval e os tambores do Ilê. É possível ver documentos originais, croquis dos carros alegóricos e recortes de jornal repassando a trajetória do grupo.
A beleza é representada pelo amarelo. São mostrados os padrões dos tecidos que fizeram parte do figurino do Ilê em seus 44 carnavais. Também é lembrado o concurso da Noite da Beleza Negra, que todos os anos elege dentro da comunidade a Deusa do Ébano, rainha responsável por conduzir a folia.
A paz e a cura compõe o eixo branco da exposição. Aqui o visitante pode conhecer os projetos afirmativos do bloco, como a Band’Erê, destinada a formar jovens que depois farão parte dos desfiles. Há ainda os Cadernos de Educação, proposta idealizada pelo poeta e professor Jônatas Conceição e pela pesquisadora Maria de Lourdes Siqueira. A partir dessa proposta, é compartilhada com a comunidade as investigações feitas sobre o tema do ano do bloco, que também enriquece o trabalho dos compositores da agremiação.
Shows
A programação conta ainda com duas apresentações, na sexta-feira (5) e sábado (6), com 17 componentes do Ilê e Jéssica Nascimento, Deusa do Ébano deste ano. Os shows vão ocorrer no Auditório do Ibirapuera, zona sul paulistana. São convidados, os grupos paulistanos Ilú Obá De Min e Ilú Inã, além das cantoras baianas Xênia França e Luedji Luna. Os ingressos custam entre R$ 30 e R$ 15.