Série alemã na Netflix brinca de Deus
Silenciosamente, o trem de alta velocidade percorre uma paisagem montanhosa de verão, uma tranquilidade agradável toma conta do grande vagão. É então que, de repente, uma mulher ofegante se esforça para respirar, abre os olhos em estado de choque e desaba inconsciente. Enquanto os outros passageiros tentam reanimá-la, mais e mais pessoas com falta de ar caem no chão. Uma doença mortal e contagiosa se espalhou despercebida pelo vagão.
Sem revelar demais: a série alemã Biohackers não é sobre uma pandemia. Mas cenas como essa fizeram com que a Netflix e a equipe de produção adiassem seu lançamento, previsto para o final de abril, auge da pandemia, para esta quinta-feira (20/08).
“Não queríamos provocar pânico ou mesmo encorajar teorias de conspiração”, disse Christian Ditter, diretor da série. “Por isso decidimos lançá-la numa data posterior, quando o público estivesse um pouco mais esclarecido e pudesse distinguir claramente entre fato e ficção.”
A série da Netflix, no entanto, fornece importantes motivos para reflexão – algo que, neste momento de batalha social contra o coronavírus, não poderia ser mais crucial. “O que acontece quando pessoas normais, como eu e você, nos deparamos com coisas que são maiores do que nós?”, resume Ditter, que também escreveu o roteiro.
Até onde podem ir os cientistas e onde terminam os limites? É isso que é explorado rapidamente pela série dividida em seis partes. Biohackers conta a história da estudante de medicina Mia, interpretada por Luna Wedler, e da fria professora Tanja Lorenz, interpretada por Jessica Schwarz.
“Nós tornamos Deus obsoleto”, proclama a idolatrada professora celebridade a seus alunos, de forma quase megalomaníaca. Graças à biologia sintética, ela declara guerra às doenças genéticas e pretende eliminá-las ainda no útero.
Lorenz faz experimentos não apenas na universidade, mas também num laboratório particular cerrado e a aluna Mia parece saber que algo de errado se passa por lá. As duas são unidas por um segredo, o qual é revelado episódio por episódio sob grande tensão.
Otimização genética?
A ideia da trama ocorreu a Christian Ditter após ele ter perguntado a outros cientistas “o que não os deixava dormir à noite”. Ele achava que ouviria coisas como inteligência artificial ou mudança climática. Mas eles responderam: biologia sintética. E Ditter começou a pesquisar.
Os seres humanos, na verdade, estão se tornando criadores: com a ajuda da biologia sintética, que combina campos como biologia molecular, química orgânica e engenharia, células são construídas com novas propriedades e funções. “É como usar blocos de Lego”, diz Ditter, que já filmou outras séries para a Netflix nos EUA, como Girlboss.
Isso pode ser útil no futuro para o desenvolvimento de novos medicamentos, biocombustíveis e materiais feitos sob medida – a biologia sintética pode produzir produtos completamente novos. Ou simplificar e acelerar de forma expressiva processos já existentes, como o de multiplicação de vacinas.
No entanto, aqui também se pode provocar um grande estrago, especialmente quando se trata do genoma humano. Afinal, engenharia genética sempre vai significar também experimentação: que consequências indesejáveis pode haver quando um gene é alterado? O genoma humano até já foi decifrado, mas está longe de ser compreendido.
Ratos luminosos e dedos magnéticos
O próprio título da série já deixa claro que não são só os cientistas que atuam neste campo:Biohackers. Graças a uma tesoura genética descoberta em 2012, pessoas comuns também podem remover ou adicionar genes – e a série tem um número surpreendente deles.
Um exemplo é Jasper, assistente da professora Lorenz, que tenta se curar ele mesmo de uma doença hereditária incurável num trailer de construção. Já a colega de quarto de Mia faz plantas brilharem e adiciona sabor de carne aos legumes. O outro morador da república, entretanto, não é um biohacker, mas um bodyhacker e implanta em si próprio diversas ferramentas voltadas para a auto-otimização, como ímãs nos dedos.
Isso pode soar um pouco exagerado, mas ainda nos leva a pensar: será que tudo isso está realmente acontecendo na realidade de hoje? Iremos permitir que nossos corpos sejam otimizados dessa forma? Afinal, ainda que os personagens pareçam um tanto exorbitantes, os atores passam segurança ao manipular sequenciadores e pipetas.
Os criadores da série, assim como seus atores, foram orientados por médicos e cientistas, área com a qual o diretor Ditter também tem uma relação pessoal: sua esposa é médica. “Quanto mais medo eu tinha de uma determinada situação, como um acidente, por exemplo, mais segurança ela demonstrava. Outros cientistas que eu conheço também reagiam de forma mais sóbria e objetiva quanto algo era muito dramático. E eu queria muito mostrar isso.”
Cientistas nas filmagens
Entre os consultores científicos estava Ole Pless, biólogo molecular do renomado Instituto Fraunhofer. Em entrevista ao portal de imprensa da Netflix, ele se disse satisfeito com a série ficional. “Eu me reconheci em muitos momentos, alguns dos quais surgiram inteiramente da minha caneta. Isso também é cientificamente correto”, afirmou Pless.
Apesar de Biohackers se tratar sobre experimentos humanos criminosos e ilegais, o diretor Ditter ainda tem grande respeito pela pesquisa. Para ele, “os cientistas são os novos super-heróis”. Sua série, afinal de contas, também aborda o lado bom da biologia sintética, que também salva vidas no final da primeira temporada.
Isso tudo não é apenas ficção para Ditter, que, no decorrer de suas pesquisas e filmagens, conheceu muitos cientistas dedicados: “Quando a covid-19 surgiu, ficou imediatamente claro para mim que as pessoas mais inteligentes que temos no planeta iriam procurar se concentrar em resolvê-la de alguma forma. E eles irão conseguir isso. “
Por Nadine Wojcik
______________