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Varig teria se envolvido com o regime nazista

Em novembro de 1939, o alemão Otto Ernst Meyer foi preso pelo claro envolvimento de sua empresa, a Viação Aérea Rio Grandense (Varig), em um plano de espionagem do regime nazista. Meyer ficou detido por três dias, e documentos da época apontam que o delegado da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) de Porto Alegre concluiu que a companhia estava ciente sobre a participação no ato ilícito.

A investigação que culminou com a prisão de Meyer começou após a polícia gaúcha ter descoberto um plano para a instalação de radiotransmissores clandestinos a bordo de um vapor alemão em Rio Grande. Segundo documentos da época, esses equipamentos seriam usados ​​na espionagem para enviar informações para navios e submarinos alemães na costa sul do Brasil.

O caso foi revelado pelo historiador Alexandre Fortes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em sua tese de doutorado defendida em 2001. “Depois da descoberta dos documentos do Dops, encontrei diversos documentos sobre o tema no Arquivo Nacional dos Estados Unidos”, conta o pesquisador à DW.

Aviões da Varig estacionados em aeroporto (Arquivo/Gov. Federal/Reprodução)

De acordo com os documentos descobertos por Fortes, a Varig transportou os aparelhos de espionagem e o técnico responsável pela operação até Rio Grande. A empresa também teria levado de graça o representante da Companhia Hamburguesa de Navegação no porto de Rio Grande, Friedrich Wilhelm Wiltgens, até Porto Alegre, para participar de uma reunião sobre a operação ocorrida no consulado alemão.

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Após a prisão de Meyer, as autoridades recomendaram uma investigação mais geral sobre as atividades da empresa. O andamento do inquérito foi lento, de acordo com Fortes. Somente em 1940, o Dops preparou um relatório sobre a atuação política da Varig e seu dono. O relatório afirma que Meyer era simpatizante do nazismo. O documento aponta ainda a Varig como responsável pela distribuição dos jornais e pelo transporte do dinheiro da caixa do Partido Nazista na região.

Meyer teria ainda escrito um artigo para um jornal pró-nazista de Porto Alegre negando haver um descontamento das Forças Armadas alemãs com Adolf Hitler. Ele também retirou anúncios da Varig de um jornal antinazista seguindo uma orientação do Partido Nazista. O relatório afirmava ainda que o dono da Varig teria trocado correspondências com agentes do regime alemão que supostamente chefiavam uma rede de espionagem na região.

“Apesar da prisão de Meyer e do relatório do Dops sobre os envolvimentos da empresa no caso, isso não teve nenhuma consequência jurídica imediata. Atribuição isso à força política da empresa e do próprio Meyer”, avalia Fortes.

O nascimento da Varig

Avião da Varig no Aeroporto Afonso Pena, em Porto Alegre (Museu Atílio Rocco/Reprodução)

Veterano da Primeira Guerra Mundial, Meyer emigrou para o Brasil em 1921. Inicialmente esteve em Recife e, depois de passar pelo Rio de Janeiro, se estabeleceu em Porto Alegre.

“Ao vir para o Rio Grande do Sul, ele dá muita sorte de entrar para a elite local. Ele conhece uma viúva rica da sociedade, muito bem relacionada, e acaba se casando com ela”, conta a historiadora Claudia Musa Fay, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Em 1927, com apoio de políticos e empresários locais, Meyer consegue realizar seu sonho de fundar uma empresa de aviação no Brasil. Os recursos iniciais para o negócio vieram de quase 500 acionistas que investiram na Varig. Por meio de um acordo com a empresa alemã Condor Syndikat, a nova companhia teve acesso ao primeiro avião e tripulação.

A Varig operava inicialmente no ramo de entrega de correspondência e encomendas a nível regional. O transporte de passageiros era pífio, devido ao alto valor das passagens e ao pequeno número de assentos disponíveis nas aeronaves – apenas seis. Sua primeira rota regular foi Porto Alegre-Pelotas-Rio Grande.

Em 1932, após passar por um período de dificuldades, o governo do Rio Grande do Sul acabou se tornando o maior acionista individual da Varig.

Polêmica sobre os envolvimentos com o regime nazista

Além do relatório do Dops, a Varig foi monitorada pelo consulado americano em Porto Alegre a partir de 1936, segundo a pesquisa de Fortes. Em relatório produzido em 1939, surgem declarações de que Meyer seria um forte apoiador do nazismo.

Para o especialista em aviação Fay, Meyer pode até ter contribuído financeiramente para o Partido Nazista num momento em que a comunidade alemã no Brasil estava empolgada com a recuperação econômica da Alemanha.

“A aviação alemã era muito pujante na época. Quem olha pela máquina, pela tecnologia e por esse viés, consegue entender que aquelas pessoas não estavam preocupadas com a situação política, mas com o avanço técnico”, ressalta a historiadora.

Fay, porém, descartou um envolvimento da Varig em espionagem – por não haver interesses estratégicos, pois a empresa só operava regionalmente, e pelo pragmatismo de seu fundador.

“Meyer não queria criar um Partido Nazista no Brasil. Ele estava muito interessado na aviação e em sua empresa. Sua ligação com a política é muito pragmática. Ele era amigo dos políticos, porque os políticos de certa maneira o ajudavam. Ele era muito amigo das empresas alemãs, porque elas forneciam os equipamentos. Mas quando teve que mudar pela pressão dos Estados Unidos, a Varig passou a importar equipamento americano”, argumenta Fay.

Nacionalização da empresa

O episódio de 1939 relatado por Dops registrado sem consequências. No entanto, com o avanço da Segunda Guerra Mundial, a rede de aviação na América Latina que depende de parceiros alemães ficou em uma situação complicada: sem assistência técnica ou novos aviões. 

No final de 1941, após pressão dos americanos em troca da venda de aviões e peças de reposição, Meyer se levou da diretoria da Varig, segundo Fortes. Pouco tempo depois, seu fiel aliado e primeiro funcionário, Rubem Berta, assumiu a presidência da companhia.

“Meyer ficou, porém, nos bastidores. Ele não saiu totalmente da empresa. sua morte, em 1966.

Fortes ressalta ainda que o caso da Varig não é isolado. “Ele se insere numa rede de empresas de aviação de origem alemã e faz parte de uma disputa pela aviação civil na América Latina no período entreguerras, quando europeus e americanos competiam por espaço formando empresas”, afirma.

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