Política

CPI da Covid-19: Pazuello poupa Bolsonaro e diz que tinha autonomia no Ministério

eduardo pazuello cpi
Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde (Jefferson Rudy/Agência Senado)

Em depoimento à CPI da Pandemia no Senado nesta quarta-feira (19/05), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello adotou uma postura combativa, defendendo sua gestão à frente da pasta, que foi marcada por uma explosão de casos e mortes de covid-19, pela promoção de drogas ineficazes contra a doença e pela lentidão na aquisição de vacinas. 

Pazuello tentou poupar o presidente Jair Bolsonaro, afirmando que o presidente não lhe impôs condições para assumir o cargo, como a adoção da cloroquina como medicamento contra a covid-19, e ainda disse que “nunca teve decisões contrapostas pelo presidente”.

Ele ainda repetiu argumentos bolsonaristas já desacreditados, como o de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria retirado poder do governo para combate à pandemia. Sem apresentar provas, o general ainda negou ter ignorado propostas do laboratório Pfizer para a aquisição de vacinas no segundo semestre de 2020, apesar de a própria empresa apontar que ficou por meses sem resposta.

Havia expectativa sobre qual seria a atitude na CPI do general da ativa, que comandou o ministério entre maio de 2020 e março deste ano. Antes do depoimento à comissão, Pazuello chegou a conseguir junto ao Supremo um habeas corpus para assegurar o direito de permanecer calado durante a fase de perguntas, sempre que entendesse que essas pudessem incriminá-lo. O general, no entanto, disse aos senadores que pretendia “responder todas as perguntas”. Pazuello também apareceu em trajes civis, e não de farda, como se havia especulado antes da sessão desta quarta-feira.

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Em diversos momentos, a sessão foi interrompida por bate-bocas, entre Pazuello e os senadores, e entre parlamentares da oposição e da base do governo.

No início da sessão, Pazuello leu um discurso preparado previamente, no qual contou anedotas biográficas e culpou governos anteriores por eventuais problemas na Saúde, afirmando que o Brasil já sofria com “dois outros vírus”: o da corrupção e o da impunidade.

Ele também tentou minimizar a responsabilidade do governo na pandemia afirmando que o STF retirou poder do governo – na realidade, o tribunal só determinou que estados e municípios tinham autonomia para determinar medidas de isolamento social no contexto local e que isso não eximia o Planalto de formular uma política nacional. “Missão cumprida” foi como Pazuello resumiu sua gestão.

Quando Pazuello assumiu o ministério, em 16 de maio de 2020, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. No dia 15 de março, quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia.

Contradições

Dando respostas longas, o general caiu diversas vezes em contradição. Ele afirmou que nunca teve “decisões contrapostas pelo presidente”. “Em momento algum o presidente me orientou ou me deu ordem para algo diferente do que eu estava fazendo”, disse Pazuello.

Em outubro, no entanto, o general disse que “um manda e o outro obedece” quando foi desautorizado publicamente por Bolsonaro após a pasta tentar comprar vacinas do Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo – uma negociação que tinha oposição de Bolsonaro, que chamava o imunizante de “vacina chinesa de João Doria”.

Mesmo assim, aos senadores, Pazuello afirmou que nunca recebeu ordem de Bolsonaro para cancelar o negócio, sugerindo que o episódio “um manda e o outro obedece” não passava de uma cena feita para as redes sociais. “É apenas uma posição de internet”, disse.

Pazuello ainda negou que tenha assumido o cargo em maio de 2020 com a orientação de expandir a adoção da cloroquina para o tratamento da covid-19 – estudos já demonstravam a ineficácia da droga contra a doença, mas a cloroquina logo virou uma bandeira de movimentos de extrema direita pelo mundo. 

Dois antecessores de Pazuello na pasta, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, afirmaram que foram pressionados pelo presidente para promover a droga. Teich, inclusive, apontou que esse foi o principal motivo para a sua saída da pasta. Quatro dias após a saída dele, o ministério, já sob a caneta de Pazuello, publicou um novo protocolo de expansão do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. “Por que ele pressionou seus antecessores e você não?”, perguntou o senador Renan Calheiros.

Aos senadores, Pazuello repetiu o argumento bolsonarista de que só atuou para “dar autonomia aos médicos” para uso da droga. Só que em janeiro o ministério sob sua gestão chegou a lançar um aplicativo que recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês. “Nunca recomendei o uso da cloroquina”, disse Pazuello. Documentos também apontam que sua gestão pressionou o governo do Amazonas a expandir o uso da cloroquina durante a crise do oxigênio em Manaus.

O general também afirmou que se sentia “plenamente apto” a assumir a chefia da Saúde, mesmo sem experiência de gestão em saúde ou conhecimentos na área médica. Citando sua experiência como militar, ele disse que questionar a capacidade de generais em gestão e liderança “seria como perguntar se chuva molha”. Em outubro de 2020, o general atraiu críticas negativas ao afirmar num evento que “nem sabia o que era SUS” antes de assumir a titularidade do ministério.

Em diversos momentos, a postura de Pazuello irritou diversos senadores. O general chegou a afirmar que não queria que os parlamentares fizessem “perguntas simplórias”. O presidente da CPI, Omar Aziz, rebateu: “General, o senhor não vai dizer aqui quais perguntas serão feitas pelos senadores.”

Vacinas

Uma das principais marcas da gestão Pazuello foi a aquisição de vacinas suficientes para a população. Entre dezembro e janeiro, Pazuello divulgou números otimistas, mas que acabaram não se traduzindo em doses entregues. Ele ainda forneceu diferentes datas para o início da campanha de imunização, mas, ao final, a campanha só começou graças aos esforços do governo de São Paulo, apesar da oposição do Planalto. “A vacina vai começar no dia D, na hora H no Brasil”, disse, no início de janeiro, numa fala que acabaria simbolizando a falta de organização da sua gestão.

O tema das vacinas gerou embates durante o depoimento de Pazuello. O general afirmou que “dialogou ininterruptamente” com o laboratório americano Pfizer para a compra de vacinas, mas a empresa já afirmou que teve diversas propostas ignoradas pelo ministério no segundo semestre. A acusação também foi feita pelo ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

A resposta de Pazuello provocou reação dos senadores. “Então a Pfizer está mentindo?”, perguntou o relator da CPI, Renan Calheiros. O presidente da comissão, Omar Aziz, chegou a sugerir que fosse feita uma acareação entre os responsáveis pelo laboratório e o general. O gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, já disse que só interagiu pela primeira vez com Pazuello em novembro de 2020, mais de três meses após a Pfizer enviar propostas. Pazuello também não apresentou provas desse “diálogo ininterrupto”. “O que o Fábio Wajngarten disse é totalmente diferente do que o senhor está falando”, disse Azis a Pazuello.

O ex-ministro ainda afirmou que os preços oferecido pela Pfizer e a quantidade de doses disponibilizadas pela empresa acabaram sendo obstáculos para a negociação. Ele também disse que à época a vacina da Pfizer ainda não tinha aprovação da Anvisa. No entanto, o ministério não teve essas reservas quando comprou doses da vacina indiana Covaxin em fevereiro, que ainda está em testes e é mais cara. A vacina indiana também não foi aprovada pela Anvisa até o momento.

Pazuello também afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU) havia dado parecer contra fechar contrato com a Pfizer. Mais tarde, o senador Renan Calheiros afirmou que recebeu informação do TCU dizendo que o tribunal nunca orientou contra a compra de vacina. Pazuello então se desculpou e afirmou que se confundiu: “Era CGU e AGU”, disse, em referência à Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União, que são ligadas ao governo federal.

O general ainda tentou minimizar por que o governo optou por adquirir a cobertura mínima de vacinas do consórcio Covax Facility, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo só adquiriu cobertura de 10%, quando tinha a opção de pedir até 50%. Pazuello afirmou que a iniciativa “começou muito nebulosa” e que o “risco era muito grande”. Ele ainda reclamou do preço.

Falta de oxigênio em  Manaus

Em janeiro, com o avanço da doença, a rede hospitalar de Manaus entrou em colapso. Unidades de saúde registraram falta de oxigênio, provocando a morte de dezenas de pacientes por asfixia.

O caso acabou rendendo uma investigação contra Pazuello no STF por suspeita de omissão. O general já apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas em Manaus. 

Pazuello chegou a informar três diferentes datas de quando teria sido informado sobre o fim iminente das reservas de oxigênio. Na primeira versão, apontou que foi em 8 de janeiro. Depois, 17 de janeiro. Aos senadores, ele disse que soube da falta de oxigênio em 10 de janeiro.

“No dia 12 já chegou a primeira aeronave trazendo oxigênio líquido. Quando nós entramos, chegamos com bastante força”, disse Pazuello. “Foram só dois dias de fornecimento irregular”, disse o ex-ministro. “Faltou por mais de 20 dias. Não é possível. É só olhar o número de mortos”, respondeu o senador Eduardo Braga, que representa o Amazonas.

Por Deutsche Welle

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