Saúde

Cientistas brasileiros criam vacina contra vício em crack e cocaína

Uma vacina em desenvolvimento pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) promete tratar a dependência da cocaína e de seus derivados, como o crack.

Em estudos desde 2015, o medicamento, chamado de Calixcoca, já passou por testes pré-clínicos com ratos, nos quais foi observada a produção de meia anticocaína no organismo dos animais. Agora, os pesquisadores estão em busca de recursos para iniciar estudos em humanos.

Nos testículos com ratos, os derivados pela Calixcoca impediram, por meio de uma molécula sintética, que a cocaína ultrapasse a barreira hematoencefálica dos pacientes, ou seja, que seja levada pelo sangue para o sistema nervoso central, chegando ao cérebro.

(Michal Renčo/Pixabay)

“Acreditamos que, como nos modelos animais, em humanos esse efeito impeça a percepção dos efeitos da droga e, com isso, o paciente não reativo o circuito cerebral que leva à compulsão pela droga”, explica Frederico Garcia, pesquisador responsável pelo desenvolvimento da vacina anticocaína e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG.

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A Calixcoca é uma das finalistas do Prêmio Euro de Inovação em Saúde – América Latina, da farmacêutica Eurofarma, que vai conceder 500 mil euros para o grande destaque desta edição. Outros 11 premiados também vão receber 50 mil euros para darem seguindo às suas pesquisas. 

Dependentes grávidas motivaram a pesquisa

Segundo Garcia, o imunizante também mostrou eficácia na proteção de grávidas, prestou os abortos espontâneos, gerando o ganho de peso nos fetos, além de proteger-los da dependência adquirida pela mãe.

“Os filhotes tinham os anticorpos anticocaína na corrente sanguínea passada pela placenta e pelo leite materno. Eles não nasceram com sinais de abstinência e eram menos sensíveis à cocaína quando comparados aos filhotes de animais não vacinados”, explica o professor.

A ideia para o desenvolvimento da vacina veio justamente do sofrimento de mulheres grávidas dependentes de crack que chegavam ao ambulatório da universidade.

“Elas sofrem muito com o conflito de tentar proteger seus bebês e a compulsão pela droga. À época, conversei com o professor Ângelo de Fátima, do departamento de Química da UFMG, que conseguiu construir essa nova molécula que estamos desenvolvendo”, complementa.

Molécula inovadora

De acordo com Garcia, há pelo menos mais duas outras que estão desenvolvendo vacinas semelhantes para o tratamento da dependência química – a John Cristal e Georg Koob, embaixadores nos Estados Unidos. Os imunizantes, porém, não tiveram a mesma eficácia nas pesquisas com humanos, que se demonstraram eficazes apenas para 25% dos pacientes, e atualmente, os pesquisadores americanos estão fazendo estudos com outra molécula.

E é justamente aí que está uma das inovações da Calixcoca. “A nossa molécula inovadora por ser uma não proteica, ou seja, uma plataforma sintética. Isso, além de facilitar e baratear a produção, permite que a cadeia logística seja mais simples por não exigir cadeia fria”, afirma Garcia, que diz que já foi contatado por investigador de outros países em busca de parcerias.

A plataforma utilizada pela vacina da UFMG também poderá auxiliar no tratamento da dependência de outras drogas. “Já temos o projeto dessas vacinas para opioides e metanfetamina. Estamos na busca de recursos para podermos desenvolvê-las”, acrescenta.

Tratamento pioneiro

Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNOD) indicam que, atualmente, cerca de 275 milhões de usuários de crack e cocaína em todo o mundo, 36 milhões sofrem de transtornos associados ao uso das substâncias. Ainda segundo o órgão, as doses de cocaína oferecidas em todo planeta atingiram patamares recordes em 2020, com a produção de cerca de 2 mil toneladas.

No Brasil, ainda segundo a ONU, a cocaína e o crack respondem por 11% de todos os tratamentos de dependência, a parcela maior entre as drogas ilegais. No país, a dependência em crack tem sido um dos maiores desafios da saúde pública, principalmente com a perspectivas de “cracolândias” nos maiores centros urbanos, como São Paulo.

Para Garcia, da UFMG, um dos principais problemas no tratamento do vício da cocaína e de seus derivados é que não há nenhum medicamento específico para o problema. Na maior parte dos casos, são medicamentos utilizados para outras doenças, como antidepressivos, que tentam melhorar os sintomas de abstinência e compulsão.

“O que mais prejudica o tratamento é a primeira recaída após um tratamento de abstinência, que parece ativar o circuito de recompensas e fazer com que o paciente volte a ter compulsões pela droga”, diz a pesquisadora, que afirma que a Calixcoca evita a primeira ativação, dando um tempo maior aos dependentes para a reabilitação.

problema social

De acordo com o psiquiatra Dartiu Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com experiência de mais de 30 anos no tratamento de pacientes com dependência em cocaína, outros fatores, como depressão, impulsividade e exclusão social, também compõem os quadros de vício na substância.

“Cada um vai ter sua história por trás da droga. É também importante identificar isso, inclusive os tipos de indivíduos e por que fazem o uso e passam para a dependência”, afirma, apontou que vacinas podem ter eficácia também na prevenção de possíveis overdoses.

O psiquiatra lembra que a reintegração de dependentes e moradores das “cracolândias” à sociedade também são componentes importantes na reabilitação, citando como exemplo o programa Braços Abertos, que vigorou em São Paulo durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

“Tinha pessoas em situação de rua que conseguiram um lugar para morar e um emprego e pararam imediatamente de usar drogas. Temos também que olhar para esse fenômeno, pois, muitas vezes, a causa do uso da droga também é a exclusão social”, diz Silveira, que foi um dos supervisores do projeto.

Para Garcia, a vacina Calixcoca poderia aliviar o problema. “Elaia facilitaria muito o tratamento dessas pessoas com dependência e daria uma perspectiva para a recuperação delas e das famílias atingidas por essa doença grave”, conclui.

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