Enzima pode explicar número maior de mortes entre homens
A enzima ECA2, fundamental para a regulação da tensão arterial, pode estar na base da explicação para a taxa de mortalidade por Covid-19 ser superior entre o sexo masculino. Depois de concluído que esta enzima é uma das principais portas de entrada do novo coronavírus no organismo, especialistas explicam agora que a substância possui uma parte boa e outra má, sendo que a boa é mais elevada nas mulheres do que nos homens.
Estudos recentes apontavam uma maior concentração de ECA2 (enzima conversora da angiotensina 2) no sangue como facilitadora da entrada do novo coronavírus nas células pulmonares e explicavam que esta substância se encontrava em maior quantidade nos homens do que nas mulheres. Medicamentos para a pressão alta, que aumentam os níveis desta enzima, chegaram mesmo a ser desaconselhados. Mas esta teoria está agora sendo contrariada por especialistas.
“O sistema da angiotensina tem dois eixos: um que podemos chamar de mau, pró-inflamatório, que é o representado pela enzima ECA, e outro bom, anti-inflamatório, que é o da ECA2”, explicou ao El Pais José Luis Labandeira, professor universitário de Anatomia Humana.
“Os genes ECA2 e outros componentes desse eixo anti-inflamatório expressam-se no cromossoma X, e como as mulheres têm dois, possuem uma maior concentração desses componentes benéficos”, acrescentou o especialista.
De acordo com esta explicação, a maior concentração de ECA2 no sangue das mulheres e o seu efeito anti-inflamatório protege-as das manifestações mais letais da Covid-19, entre as quais a pneumonia. A Covid-19 tende a infetar mais mulheres, mas quem mais morre da doença são os homens. Em Portugal a situação já foi essa, mas os dados mais recentes apontam para uma taxa de mortalidade ligeiramente superior no sexo feminino (624 óbitos) do que no masculino (594).
“Do que sabemos até agora, a ECA2 é uma faca de dois gumes e temos de aprender a lidar com ela, avaliando como conseguimos manter apenas os seus efeitos positivos, enquanto bloqueamos os fragmentos específicos que servem como porta de entrada para o vírus”, elucidou Labandeira.
Investigadores tentam enganar vírus com soluções artificiais
Bloquear parte da enzima sem a anular completamente é um trabalho complexo que está a ser desenvolvido por vários grupos de investigadores e empresas de todo o mundo. Para tal, os especialistas utilizam anticorpos monoclonais, moléculas que conseguem aderir a secções precisas do vírus para impedir a sua entrada e reprodução.
Em Espanha, o Instituto de Biomedicina do Conselho Superior de Investigações Científicas está a procurar uma solução diferente para preservar o lado positivo da ECA2. Os investigadores estão a projetar variantes artificiais da parte má da enzima que enganem o novo coronavírus, fazendo-o unir-se às mesmas sem prejudicar, assim, o organismo.
“Queremos fabricar um super recetor que tenha uma afinidade aumentada pelo vírus”, explicaram ao El Pais os cientistas que estão a trabalhar na fase ainda preliminar deste possível medicamento. Os investigadores estão também a tentar entender melhor o mecanismo que permite ao novo coronavírus infetar células, para que possam tentar impedir esse processo.
Outro objetivo do Instituto de Biomedicina é estudar as variantes genéticas que explicam por que razão algumas populações são mais suscetíveis ao vírus do que outras. “A população afroamericana, por exemplo, possui níveis menores de ECA2”, explicou um dos investigadores.
Desde o seu início, em dezembro, o novo coronavírus já infetou 4,7 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais mais de 300 mil são vítimas mortais. Existem agora quase 1,7 milhões de recuperados.
Por Joana Raposo Santos – Repórter da RTP, emissora pública de Portugal