Política

Especialistas analisam avanço de Boulos para o 2º turno

boulos orlando silva e tatto
Orlando Silva, Guilherme Boulos e Jilmar Tatto (Rede Social/Reprodução)

No último domingo (15/11), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) conquistou o feito de chegar ao segundo turno da eleição para a prefeitura de São Paulo: após receber 20,24% dos votos, Guilherme Boulos disputará o cargo máximo da maior cidade do país com o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que ficou com 32,85%.

Há menos de um mês, Boulos somava apenas 10% das intenções de votos. Com uma campanha realizada em sua maior parte nas redes sociais, já que tinha somente 17 segundos de televisão, o candidato conseguiu deixar para trás nomes mais experientes, como Márcio França (PSB) e Celso Russomanno (Republicanos).

Para especialistas, o bom desempenho de Boulos – um político jovem, que nunca exerceu cargo público e que até pouco tempo atrás era desconhecido do grande público – nas urnas da maior cidade da América Latina sinaliza a busca dos eleitores por alternativas aos partidos tradicionais, com foco em projetos, e não na figura do político enquanto pessoa física.

“O segundo turno deste ano em São Paulo é emblemático por permitir, de fato, a escolha de um projeto para a cidade, em detrimento de outro, com o qual não se confunde. A escolha por Boulos pode ser sintoma do desgaste da estridência, do negacionismo e do personalismo na política”, comenta Juliane Bento, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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A pesquisadora também destaca, de um modo geral, o crescimento do fenômeno das candidaturas e mandatos coletivos e a eleição histórica de muitas mulheres negras para as Câmaras municipais, sendo preciso, agora, acompanhar como as estruturas partidárias vão absorver e incorporar essas transformações.

As chances de Boulos

Divulgada nesta quarta-feira, a primeira pesquisa Ibope para o segundo turno das eleições em São Paulo apontou Covas com 47% das intenções de voto contra 35% do candidato do PSOL.

Mesmo assim, Bento diz acreditar que Boulos tem reais chances de sucesso, principalmente porque, ao contrário do que ocorre no governo estadual paulista, o eleitorado da capital não costuma ser reticente a candidatos da esquerda.

Ela lembra que, desde a redemocratização, a cidade teve três prefeitos com esse perfil: a própria vice de Boulos, Luiza Erundina, entre 1989 e 1993; Marta Suplicy, entre 2001 e 2005; e Fernando Haddad, de 2013 a 2017.

“O cenário político ainda está indefinido, especialmente pela expectativa de composição dos apoios para a disputa do novo pleito”, analisa a cientista política.

Entre os apoios a Boulos está o do Partido dos Trabalhadores (PT), cuja opção por lançar um candidato próprio no primeiro turno – Jilmar Tatto –, ao invés de apoiar diretamente a chapa do PSOL, causou polêmica. Além disso, as eleições de 2020 marcam a primeira vez desde 1988 que um candidato da legenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fica em primeiro ou segundo lugar no pleito municipal paulistano.

Mesmo com a imagem do PT enfraquecida, a socióloga Maria do Socorro Sousa Braga, docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), opina que o apoio do partido à chapa de Boulos tende a ser positivo, principalmente porque a legenda ainda tem muita força na periferia, onde o desempenho do PSOL ficou aquém do esperado.

“Boulos vai bem em todo o centro expandido de São Paulo e tem força entre os jovens. A campanha dele mostrou uma oxigenação na política local, enquanto a presença de Erundina representa uma chapa intergeracional e atrai as mulheres. Agora, com o apoio declarado do PT, a expectativa é que Boulos entre na periferia. O antipartidarismo deve ter mais influência nas regiões onde o maior percentual de eleitores já é do Covas”, diz a pesquisadora.

Sobre o apoio declarado do PT a Boulos no segundo turno, Mário Sérgio Lepre, mestre em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) de Londrina, afirma que o voto de Boulos já é o voto da esquerda e esse eleitorado tem uma visão mais estratégica e menos popular.

“A partir de agora, o apoio explícito do PT vai elevar a campanha do PSOL em termos de propaganda. Mas o eleitor de esquerda não está muito preocupado com isso e irá sufragar Boulos sem problemas. O apoio do PT pode afugentar um pouco o apoio do eleitor do Márcio França, mas no frigir dos ovos, você não deve ter perdas”, pontua.

A nova força da esquerda?

O que também se questiona é se o bom desempenho de Boulos nas eleições para a principal prefeitura do país não colocaria o PSOL como a nova força da esquerda brasileira no lugar do PT.

“Embora as tendências de declínio entre os partidos de esquerda tradicional se contraponham ao crescimento do PSOL, parece precipitado afirmar que essa é a nova esquerda do Brasil. O PT segue com a maior bancada em São Paulo e é o partido que mais disputará segundos turnos no país”, ressalta Bento.

O Partido dos Trabalhadores estará presente nas disputas de 15 das 57 prefeituras que terão segundo turno em 2020. Em seguida vêm o PSDB de Bruno Covas, com 14 cidades, e o MDB, em 12 municípios, que também é o partido com mais candidatos concorrendo a prefeituras em capitais (sete das 18 onde haverá segundo turno).

Foram eleitos já no primeiro turno 179 prefeitos do PT e apenas quatro do PSOL. Entre os vereadores, o PT elegeu 2.665 nomes, contra 89 do PSOL.

Lepre destaca que a estrutura do Partido dos Trabalhadores é muito maior que a do PSOL, o que, para o cientista política, não impediria, porém, o partido de Lula de tentar se reformular.

“O PT tem uma máquina partidária muito maior. Tem penetração estrutural muito mais forte em ambiente acadêmico, sindical. Não se pode dizer que esses ambientes não são mais do PT”, pondera.

“O PSOL é mais uma esquerda ‘com verniz’, enquanto o PT é o partido estruturado de esquerda. Para tomar esse lugar do PT, precisaremos de mais eleições. Mas o PT pode se reformular, algo que ainda não fez”, completa.

A falácia da velha e da nova política

Durante toda a campanha do primeiro turno, assim como no primeiro debate relativo ao segundo turno, realizado pela CNN Brasil na última segunda-feira, Covas tem se “vendido” como político e gestor público experiente. 

Boulos, por outro lado, constrói uma imagem pautada na renovação, ainda que tenha a seu lado uma política bastante experiente, Luiza Erundina. É possível dizer que este segundo turno será, então, uma espécie de epítome da briga entre nova e velha política?

Bento acredita que a leitura que supunha uma renovação pautada pela distinção entre uma “velha” e uma “nova” política já se mostrou equivocada, muito pelo fato de que políticos que obtiveram êxito eleitoral com base nessa narrativa podem ser frequentemente associados, ainda, a comportamentos políticos bastante tradicionais – o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que responde a um processo de impeachment atualmente, pode ser um exemplo.

Para a cientista política há, ainda, o fato de que Boulos, por mais que nunca tenha exercido um cargo público eletivo, não é, necessariamente, um novato em termos de política: está envolvido com a militância política desde a juventude e coordena um movimento social sólido – no caso, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

“A alternância de poder que se possibilita à cidade de São Paulo hoje me parece mais envolver uma escolha entre dois modelos de política: uma política que se apresenta como técnica e que se legitima pela autoridade dos especialistas que a controlam ou uma política que se diz comprometida com a participação popular, que reivindica sua pertinência programática por priorizar o enfrentamento à desigualdade que marca a cidade”, conclui Juliane.

Por Murilo Basso, da Deutsche Welle

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