Mulher que doou marmitas nega contaminação; 2 morreram
Integrante de igreja evangélica disse que grupo entregou 50 marmitas na noite das mortes, em Itapevi (SP); polícia disse à jovem que comida tinha “bolinhas pretas”
Uma das voluntárias que entregou as marmitas aos moradores de rua, que morreram após consumirem o alimento, negou que elas estavam contaminadas. O caso aconteceu em Itapevi, na Grande São Paulo, na noite desta terça-feira (21/7), e está sendo investigado pela Polícia Civil.
As vítimas foram identificadas como José Araújo Conceição, 61 anos, e Vagner Aparecido Gouveia de Oliveira, 37. O cão que estava com eles no posto de combustíveis abandonado também comeu o alimento e morreu em seguida.
A reportagem conversou nesta quinta-feira (23/7), por telefone, com uma mulher de 23 anos, que é membra de uma igreja evangélica de Cotia. Em condição de anonimato, ela contou que esse trabalho com os moradores de rua já é feito há, pelo menos, 10 anos pela igreja.
De acordo com seu relato, as doações acontecem todas as terças-feiras na parte da noite. Como em Cotia já há outros grupos que fazem esse trabalho, ficou decidido, há dois meses, realizá-lo em Itapevi. Ela conta que o posto de combustíveis abandonado, onde ficavam os dois moradores de rua que morreram, era o primeiro lugar que os voluntários paravam.
“Na terça, estávamos em dois carros. E foi bem rápido. Normalmente, eles [moradores de rua] ficam conversando com a gente. O Vagner [um dos moradores que morreu], inclusive, pede oração, toda vez. Mas nessa terça, ele estava bem agitado, a gente não sabe se era efeito de droga, mas ele estava bem agitado e não pediu oração, como costumava pedir. Então a gente não demorou e seguiu o nosso caminho”, relata.
Um homem que passava pelo posto pegou duas refeições e levou para casa. Quem comeu as marmitas foi sua mulher, uma moça de 17 anos, e seu filho de 11 anos. Os dois passaram mal e foram internados no Hospital Geral de Osasco e no Hospital Geral de Pirajussara, respectivamente. Segundo a Prefeitura de Itapevi, o estado de saúde de ambos é grave.
A voluntária conta que o grupo deixou no local quatro ou cinco marmitas, mas não viu o momento em que esse homem aparece. “Deixamos as marmitas com a contagem certa, com as pessoas que estavam no posto. A gente não entendeu o que houve. Nós não vimos esse homem lá.”
A jovem se apresentou à Delegacia de Itapevi nesta quinta-feira (23/7) para prestar depoimento. De acordo com ela, os policiais encontraram, em uma das marmitas deixadas no posto, um pedaço de carne com “bolinhas pretas” que estava “por cima da comida”, dando a impressão que “alguém o colocou lá”. Segundo a moça, a igreja nunca preparou carne para as doações.
“A gente faz salsicha, frango e linguiça. Sempre isso. O investigador disse que é como se alguém tivesse salpicado por cima da comida. Não é uma coisa que estava escondida. Colocaram lá por cima da comida”, disse, em relação ao pedaço com manchas pretas.
Durante o trajeto, ainda na noite de terça-feira, o grupo seguiu para outros pontos de Itapevi, entregando marmitas e roupas a moradores de rua e também para famílias necessitadas que frequentam a igreja. Uma dessas famílias é a de Luíza Vieira da Silva, que mora na Cohab II com o marido e um casal de bebês gêmeas.
“Peguei as marmitas por volta das 23h30. Já é a segunda vez que eu pego. Todo mundo em casa comeu, inclusive as minhas filhas, e ninguém passou mal. Tinha arroz, feijão, repolho e salsicha ao molho”, conta.
Ao todo, segundo a voluntária do grupo, foram entregues 50 marmitas. Durante o percurso até a delegacia onde prestou depoimento, ela e seu pai, que também ajuda nas doações, encontraram a última pessoa que pegou as marmitas. Segundo ela, o homem comeu as duas e disse que não passou mal.
“Estão focando na foto do carro, no momento em que a gente entrega as marmitas, mas, e depois, o que aconteceu? Ninguém está falando. Onde estão as imagens? Quem entrou e saiu do posto?”, questiona.
O delegado responsável pela investigação quer ouvir mais voluntários conhecidos por doarem comida na cidade e aguarda os resultados dos exames necroscópicos, que irá apontar a causa das mortes. O caso foi registrado como morte suspeita a esclarecer.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Itapevi disse que não há atualização do caso e que a investigação está com a Polícia Civil.
Por Neto Rossi, especial para Ponte