São Paulo

APqC relaciona desmonte da pesquisa ambiental Paulista aos desastres ambientais

“O Estado precisa estar preparado, reconhecendo e fortalecendo suas instituições de pesquisa", diz pesquisadora

Rosângela C. R. de Oliveira, integrante do conselho deliberativo da APqC e pesquisadora científica com vasta contribuição dada às questões ambientais no Estado de São Paulo, diz que o desmonte do Sistema Ambiental Paulista e o desmerecimento da pesquisa científica do setor podem ter relação direta com os desastres ambientais registrados no último período.

Na entrevista concedida ao Portal da APqC, ela faz uma retrospectiva da atuação da entidade ao longo dos dois anos de gestão e alerta: “O Estado precisa estar preparado, reconhecendo e fortalecendo suas instituições de pesquisa para o enfrentamento necessário do que está por vir”. Ela defende ainda que o planejamento na área ambiental deve ultrapassar governos e serem tratadas como políticas públicas de estado.

APqC – Como a APqC se posicionou diante dos retrocessos ambientais que aconteceram no governo João Doria, que abarcou a maior parte da gestão da entidade?

Doria rebaixou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SMA), criada em 1986, em subsecretaria de uma nova estrutura que deu origem à SIMA, ou Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Além disso, extinguiu o Instituto Florestal e fundiu seus escombros com os Institutos de Botânica e Geológico. Isso desestruturou totalmente a pesquisa ambiental ligada à administração direta do Estado. Doria também enfraqueceu os mecanismos de controle social e de participação popular no Conselho Estadual do Meio Ambiente. Diante disso, a APqC atuou junto a todas instancias possíveis, procurando o diálogo, denunciando e tentando reverter os descalabros ocorridos. Alguns dos maus feitos foram paralisados em função da atuação conjunta com o Ministério Público e algumas organizações não governamentais. Existem ações judiciais em curso promovidas pela APqC.

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E como a APqC vê o tratamento dado pelo governo Tarcísio de Freitas a esta área? Houve mais avanços ou retrocessos?

Com a posse do novo governo em 2023 entendemos que seria uma oportunidade de revertermos o retrocesso ambiental, o abandono e o desmantelamento que a pesquisa ambiental vem sofrendo, estávamos esperançosos no fazer diferente. Havia a expectativa de que o governo retomasse o protagonismo que São Paulo sempre teve na área ambiental, e que de pronto entendesse a importância de se ter uma Secretaria de Meio Ambiente, autônoma e forte, uma vez que vivemos um período de emergências ambientais, dentre estas a climática e hídrica.  Mas nossa expectativa infelizmente não se consumou em realidade, as pessoas que assumiram a secretaria deram continuidade ao projeto que estava em curso de enfraquecimento e desagregação da pesquisa científica e da preservação ambiental. Quase terminando o primeiro ano de governo não vemos avanços, percebemos que algumas políticas públicas são apresentadas, mas não atendem a urgência ambiental.

Como foi – ou como tem sido – o diálogo da APqC com o Governo de São Paulo a respeito das questões ambientais?

Todas as iniciativas que fizemos junto à secretaria tiveram como retorno respostas padrão e nunca fomos chamados para o diálogo e contribuição. Tão logo as nomeações ocorreram para os cargos dessa secretaria (Natália Rezende, como titular da SEMIL, e Jônatas de Souza, subsecretário do Meio Ambiente), solicitamos agenda para uma primeira reunião, em que pudéssemos apresentar um diagnóstico da pesquisa científica e da conservação ambiental, levando as demandas dos nossos associados. Nessa ocasião, a APqC trouxe ao conhecimento do subsecretário a situação caótica que foi criada com a extinção do Instituto Florestal, e a fusão dos Institutos de Botânica e Geológico. Abordamos também a necessidade de concurso para preenchimento dos cargos vagos de Pesquisador Científico e das carreiras de Apoio a Pesquisa Científica e Tecnológica e de Assistente Técnico de Pesquisa Científica e Tecnológica, bem como a necessidade de recomposição salarial. Em outras oportunidades reiteramos essas pautas e continuamos à espera de uma sinalização do governo no sentido de resolver estas questões.

No primeiro semestre de 2023, ocorreram desastres ambientais no município de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, com focos de alagamentos e deslizamentos de terra. A APqC vê relação entre desastres como este e o desmonte da ciência no Estado de São Paulo?

Buscas por seis desaparecidos prosseguem em São Sebastião (SP)
Buscas por desaparecidos em São Sebastião no começo do ano (Arquivo/Gov. de São Paulo)

A relação é inegavelmente direta, o desmonte do Sistema Ambiental Paulista e o desmerecimento da pesquisa científica ambiental apontam para isso. A APqC foi muito demandada pelos meios de comunicação e deu várias entrevistas para jornais e programas de rádio e televisão, sempre alertando a sociedade para os riscos ambientais causados pelo desmonte da pesquisa, principalmente a partir da extinção de instituições como o Instituto Geológico, por exemplo. Mais uma vez ficou evidente para a população a importância dos Institutos de Pesquisa e dos seus funcionários no atendimento à população, fornecendo respostas rápidas em situações de crises e emergências. O Estado precisa estar preparado, reconhecendo e fortalecendo suas instituições de pesquisa para o enfrentamento necessário do que está por vir, o planejamento na área ambiental deve ultrapassar governos, precisamos mais do que nunca, de políticas públicas de estado, que sejam implementadas.

A APqC fez um diagnóstico do desmonte dos Institutos de Pesquisa? A que conclusão podemos chegar?

Sim. A APqC lançou o livro “Diagnóstico da desestruturação da Pesquisa Científica Ambiental e do Sistema de Áreas Protegidas no estado de São Paulo”. Foi a primeira obra produzida pela Associação este ano e seu lançamento foi muito comemorado na área ambiental, representando um importante documento que aborda o período de 2006-2020. Nele fazemos uma análise de como o fracasso da política ambiental no Estado de São Paulo está relacionado aos arranjos institucionais marcados pelo aparelhamento do Estado, por decisões eminentemente políticas e desconsideração de seu corpo de técnicos, cientistas e profissionais de apoio.

De que forma a APqC tem atuado para tentar minimizar os impactos negativos do desmonte do Sistema Ambiental Paulista?

Temos atuado de forma bastante ativa nas instituições políticas e dentro dos movimentos sociais. Realizamos reuniões com representantes das secretarias de estado as quais os institutos estão vinculados, com o Ministério Público, com representantes na Alesp, apresentando a situação da pesquisa científica e do funcionalismo público. Recentemente, a APqC marcou presença no XI Seminário Brasileiro sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social, dentro do VI Encontro Latinoamericano sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social. O evento é um dos mais importantes do Brasil na área de conservação ambiental e nele foi aprovada uma moção pelo restabelecimento dos Institutos Florestal, Geológico e de Botânica. Também cabe destacar a participação da APqC no debate “Territórios em Disputa: o desmonte do sistema ambiental paulista, concessões, parques públicos e comunidades locais.” Participamos ainda de atos contra a concessão de áreas protegidas e de comissões temáticas na Assembleia Legislativa. São apenas alguns exemplos de nossa atuação ao longo da atual gestão. Alguns resultados dessa atuação já são perceptíveis, há um longo caminho a percorrer, mas somos confiantes de que somente através de nosso posicionamento, fundamentado tecnicamente, é que atingiremos nossos objetivos. Seguiremos defendendo o que é correto, informando e alertando autoridades e a população em geral, sem luta não há conquistas.

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