Polícia

‘Denúncia anônima’ levou Corregedoria a Batalhão

Em janeiro, a Ponte detalhou, com exclusividade, investigação sobre esquema de propina, roubo de fuzil e até tiroteio forjado para ocultar execução na zona norte de SP 

Corregedoria agiu no 5º Batalhão após denúncia anônima não detalhada à imprensa | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

A Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo realizou uma operação no 5º Batalhão da PM Metropolitano, localizado na rua São Marcelo, Vila Pedrosa, zona norte da capital paulista, nesta quinta-feira (25/6). Em janeiro, a Ponte denunciou com exclusividade a investigação de um esquema de “mensalão” para traficantes que seria organizado por policiais da Força Tática do batalhão, um caso de roubo de fuzil e até tiroteio forjado para ocultar execução. 

Oficialmente, a Corregedoria nega que a operação tenha qualquer ligação com a investigação revelada pela Ponte e informa que “recebeu denúncia anônima sobre irregularidades no 5º BPM/M”, no entanto, não detalhou quais seriam elas. “Ressalta-se que o órgão corregedor realiza, rotineiramente, operações da mesma natureza em diversas unidades da Polícia Militar”, diz outro trecho do informe oficial. A Secretaria de Segurança Público enviou uma nota idêntica à da Corregedoria. 

O local ficou bloqueado para a entrada e saída de policiais. Por algumas horas, policiais da Corregedoria investigaram os armários e locais de serviço dos PMs que atuam no batalhão. Foram alvo da operação justamente os policiais da Força Tática.

Inicialmente, havia a informação de que o Ministério Público de São Paulo havia auxiliado nos trabalhos, contudo, a informação foi negada pela Corregedoria e pelo próprio MP.

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O ouvidor da Polícia de SP, Elizeu Soares Lopes, informou que, por causa do noticiário, telefonou para a corregedoria para saber mais detalhes da operação e destacou que não parecia algo rotineiro, contrariando a nota do órgão militar. “Não me parecia algo corriqueiro. Fui informado de que é uma operação para averiguar uma denúncia de irregularidades que estariam sendo cometidas dentro do batalhão. Me parece positivo que haja investigação interna na Polícia Militar, mas quero ter mais informações para poder, se for o caso, tomar outras providências também na Ouvidoria”, declarou. 

Em janeiro de 2020, a Ponte informou que a Corregedoria investigava policiais do 5º batalhão por um suposto “mensalão” do tráfico de drogas. Ainda estariam envolvidos no roubo de um fuzil e na simulação de tiroteio para acobertar a execução de um morador de rua.

A investigação apontava que os policiais estariam extorquindo criminosos para fazer festas, regadas a bebidas e drogas, mesmo em horário de trabalho. Ao menos quatro e-mails anônimos denunciavam os crimes ao órgão investigador.

Ponte teve acesso a conversas de WhatsApp que mostravam o acerto feito por alguém identificado como sargento Silas, combinando a retirada de dinheiro que seria paga a uma policial identificada “Katy Mahoney” (jargão para se referir a uma PM feminina e destemida, em referência a personagem do seriado Dama de Ouro). A troca de mensagens aconteceu em 23 de janeiro. 

Aqui Sargento Silas avisa o suposto traficante dos horários de blitz | Foto: Reprodução

O local onde os policiais estariam negociando, segundo a denúncia, seria uma biqueira (local de venda de drogas) na rua Tenente Sotomano, Jardim Brasil, também na zona norte de São Paulo. Em mensagens, há avisos de blitz para que traficantes escapem e até tentativas de prejudicar colegas.

Em outra mensagem, o remetente identificado como Silas “joga um verde” no suposto traficante reclamando dos valores pagos aos policiais alegando que a biqueira deve render muito dinheiro. “Só de cocaína vocês devem vender coisa de R$ 30 mil por semana”.

Em outra mensagem, policiais comemoram o aumento da propina para R$ 7,5 mil conseguida por um dos envolvidos no esquema. 

PMs comemoram aumento no valor do “mensalão” | Foto: Reprodução

Após as mensagens, o policial Silas Souza da Silva e a cabo Renata Augusta de Lima, identificada como Katy Mahoney, passaram a ser investigados. Em outubro de 2019, Silas e Renata prenderam um suposto traficante no mesmo local em que teriam acertado a coleta de propina.

Outra apuração da Corregedoria envolve a liberação de um suspeito que integraria o PCC (Primeiro Comando da Capital). Os policiais teriam tentado extorqui-lo ao pedirem R$ 100 mil. Como o homem não tinha o valor, teria negociado a entrega de um “fuzil na caixa”, ou seja, novo.

Os policiais teriam aceitado e, posteriormente, participaram de uma suposta troca de tiros, no dia 21 de dezembro, em que um homem morreu em “decorrência de intervenção policial”. A vítima seria um morador de rua, assassinado na rua Lavínia Pacheco e Silva, no Tucuruvi. 

Segundo o registro de ocorrência da época, os policiais tenente Diego Reginaldo Pereira e os cabos Marcus Esperidião Silva Junior e Douglas de Oliveira Santos, do 1º Pelotão da Força Tática do 5º Batalhão teriam abordado homens em um veículo.

Dois dos suspeitos teriam fugido, mas um terceiro ficou e iniciou troca de tiros. O homem é apontado como “desconhecido” em documento da Polícia Civil. Entre as armas apreendidas está um fuzil Colt Sporter Competition, única arma apreendida sem uma pessoa relacionada (dono).

Em 24 de dezembro, PMs do 5º Batalhão foram denunciados à Corregedoria sobre o roubo do fuzil e a possível ação planejada para matar uma pessoa e forjar uma ocorrência. 

A tenente Luciane, integrante da Corregedoria da PM, foi investigar as denúncias naquele mesmo 24 de dezembro de 2019, mas quando chegou ao batalhão teria sido impedida pelo tenente Diego de fazer a revista.

Mais conversas no WhatsApp apontam a coação contra a tenente. Alguém indicado como cabo Oliveira escreveu: “Corregedoria? Me preocupar com Corregedoria? Com quem? Com aquela tenente puta que veio aqui?”.

Em mensagem, policial chama tenente Luciane de “puta”

Alguns PMs do 5º Batalhão passaram a discutir o caso e o cabo Oliveira novamente se manifestou, segundo material a que a Ponte teve acesso: “Ninguém foi preso nada. Só porque você ficou umas horas na Correg já tá aí se cagando. Tático é isso, mano”. E na sequência continuou: “A gente matou duas vezes em menos de seis meses estive, cadê você na resenha?”.

Ponte apurou que ao menos quatro veículos comuns estariam sendo usados para coletar a propina da biqueira. Todos estão em nome do Tenente Diego Reginaldo Pereira. As viaturas que sempre passam pela região são dos seguintes prefixos: M-05012, M-05016 e M-05017. 

Ex- ouvidor queria os PMs afastados

O governador de São Paulo, João Doria não deu explicações sobre as denúncias. À época, o então ouvidor das polícias, Benedito Mariano, considerou as denúncias “muito graves” e recomendou o afastamento dos PMs. No entanto, isso nunca aconteceu. Em mais de uma oportunidade, o governo não detalhou se, afinal, os policiais continuavam nas ruas, seguiam lotados no batalhão, se haviam sido afastados ou mesmo transferidos. 

Ponte apurou que, por uma questão de estratégia, os policiais teriam sido mantidos no batalhão para que continuassem atuando e, eventualmente, cometendo as ações ilícitas que estavam sendo investigadas, e houvesse tempo de coletar provas que embasariam uma eventual operação. A Corregedoria nega que a ação desta quinta-feira tenha ligação com a apuração exposta pela nossa reportagem. 

O advogado Eduardo Martinelli de Figueiredo explica que os PMs ouvidos nesta quinta-feira seguem trabalhando normalmente e não soube detalhar quais os crimes que a Corregedoria apurava. 

O defensor argumentou que a atuação dos policiais gera falsas denúncias. “Eles seguem trabalhando em defesa da sociedade, o que seguem fazendo com afinco. Infelizmente, o combate ao crime leva a isso, à exposição do comando devido à atuação forte dos policiais da Tática”, explica.

Figueiredo afirmou que “em torno de 15 policiais estavam no batalhão no momento da ação” da Corregedoria. Contudo, disse não ter autorização para informar os nomes dos PM que representa. Questionado, ele não comentou se representa os policiais Silas Souza da Silva, Renata Augusta de Lima, Diego Reginaldo Pereira, Marcus Esperidião Silva Junior e Douglas de Oliveira Santos. 

“Eu vou ter acesso na terça-feira (30/6) sobre a questão do que foi denunciado”, afirma. “Não se tem nada formalizado, nenhuma notícia de fato concreto. Eles [PMs] não entendem o que está acontecendo”, assegura.

Negativas de entrevista

Na época da denúncia, a Secretaria de Segurança Pública confirmou que os PMs estavam sendo investigados, mas não respondeu sobre os pedidos de entrevista feitos pela Ponte com cada um deles. O pedido de entrevista com o corregedor da época, coronel Marcelino Fernandes, foi negado.

Ponte também tentou, em janeiro e fevereiro, entrar em contato com os cinco policiais que estariam envolvidos diretamente nos casos: cabos Renata, Marcus, Douglas e Sargento Silas por Whatsapp, e tenente Diego por e-mail. O cabo Marcus respondeu, questionando as provas da denúncia, qual seria a data de publicação da reportagem e, na sequência, escreveu duas vezes: “não quero me pronunciar”. Já o contato indicado como sendo do cabo Douglas Oliveira dos Santos escreveu o seguinte: “acho que você entrou em contato com a pessoa errada, não sou o Oliveira”. Contudo, a denúncia apurada pela Corregedoria é sobre Douglas. O tenente Diego nunca respondeu o e-mail.

Por meio de nota oficial enviada na ocasião da primeira reportagem, a Segurança Pública informou: “A Polícia Militar foi informada sobre os fatos, após uma denúncia anônima. Um inquérito policial militar foi instaurado e avocado pela Corregedoria da Instituição. Os PMs envolvidos são ouvidos. A Instituição esclarece ainda que não compactua com desvio de conduta de seus agentes e todos os casos que chegam ao conhecimento da instituição são prontamente investigados e as medidas cabíveis adotadas”.

Por Arthur Stabile e Maria Teresa Cruz – Repórteres da Ponte

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