Economia

Sem vacina não haverá retomada no Brasil, afirmam economistas

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(Arquivo/Agência Brasil)

O ano de 2020 representará, senão a pior, uma das piores quedas do Produto Interno Bruto (PIB) da história do país. O Ministério da Economia prevê queda de 4,5%. Já a Fundação Getulio Vargas (FGV) estima um recuo de 4,7%, o que faria com que o PIB per capita retrocedesse ao nível de 2009. Encerra-se assim, dizem especialistas, uma década perdida, com desempenho ainda inferior ao dos anos 1980. É com essa herança e com a bagagem da pandemia que começa 2021.

O ambiente econômico congrega, além da crise na saúde, o fim do auxílio emergencial, desemprego recorde, agravamento da situação fiscal e inflação. “É um cenário medíocre, resta saber quão medíocre vai ser em 2021”, diz a consultora econômica Zeina Latif. A previsão do governo é de alta de 3,2% no PIB em 2021. Na última sondagem do mercado feita pelo Banco Central, divulgada na segunda-feira, 28/12, a expectativa era de alta de 3,49%.

A DW Brasil conversou com economistas para entender o que se pode esperar para o ano que se aproxima. Entre os fatores apontados, um ponto em comum: a importância da vacinação em massa para a recuperação da economia. Por enquanto, contudo, nenhuma vacina foi aprovada pela Anvisa, e a previsão do Ministério da Saúde é de começar a imunização em fevereiro. Mas mesmo isso ainda é uma incerteza.

Sem vacinação, sem recuperação

Da vacinação dependerá, em boa medida, a melhora do mercado de trabalho e, portanto, da renda, duas variáveis essenciais em um contexto no qual 67 milhões de brasileiros deixarão de contar com o auxílio emergencial, o que, por sua vez, afetará o consumo.

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“Eu acho hoje a vacina a variável fundamental, porque o setor de serviços depende de interação social, e é intensivo em mão de obra”, afirma a coordenadora do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos.

A pandemia e as medidas de quarentena impactaram principalmente o setor de serviços, que responde por quase dois terços do PIB e dos empregos. O volume de serviços avançou 6,3% no terceiro trimestre ante o período anterior, mas ainda segue longe do nível pré-pandemia. No segundo trimestre, o tombo havia sido de 9,3%.

A vacinação também teria um efeito de redução de incertezas, importante para impulsionar os investimentos, já afetados pelo contexto macroeconômico. Para Latif, além da volatilidade cambial, o que tira o sono de quem está no setor produtivo é a crise na saúde.

“O sujeito é um produtor de móveis, aumentou a demanda agora, e ele contratou mais gente, mas ele vai muito além disso? Provavelmente não. Ele está dirigindo na neblina”, exemplifica a consultora. “A gente fica numa armadilha: porque não cuidamos da saúde, a economia sofre mais, aí vêm as demandas por socorro, que deterioram o cenário fiscal”.

A coordenadora do departamento de Economia do Insper, Juliana Inhasz, acredita que a vacina é “muito importante”, mesmo com as inúmeras aglomerações e o desrespeito às medidas de quarentena. “A gente sabe que tem uma parte importante (da economia) subutilizada”, diz. Mas ela pondera que a vacina não resolve todos os problemas: “A pandemia veio  para agravar uma situação (econômica) que já não era confortável”.

Fim do auxílio e desemprego mais alto

A situação não confortável é, em parte, o cenário de três PIBs fracos nos últimos anos, incapazes de repor o que o país havia perdido na recessão 2014-2016. Esses crescimentos, ainda que fracos, vieram impulsionados pelo consumo, não pelo investimento.

Foi também o consumo o responsável pelo avanço recorde do PIB no terceiro trimestre, de 7,7% em comparação com os três meses imediatamente anteriores, possível em grande medida graças ao auxílio emergencial. Era um crescimento esperado diante do gasto do governo: a expectativa do Ministério da Economia é que tenham sido injetados R$ 322 bilhões em benefícios, cerca de dez vezes o valor do Bolsa Família.

Mas o auxílio chegou ao fim em dezembro, o que deve afetar a capacidade de crescimento do país pelo consumo. Segundo pesquisa Datafolha publicada em 21 de dezembro, 36% dos que recebiam o auxílio dependiam exclusivamente dessa renda.

A equação fica mais complicada com o fator desemprego. Quem ficar sem o auxílio e for em busca de geração de renda, encontrará um mercado de trabalho deteriorado. O nível de desocupação atingiu 14,6% no trimestre encerrado em setembro, segundo o IBGE, recorde na série histórica, que começa em 2012. São 14,1 milhões de desempregados, 1,6 milhão a mais que no mesmo período de 2019.

A previsão, segundo Matos, é que a taxa de desemprego fique entre 16% e 17% no ano que vem, novo recorde. A desocupação deve subir antes de retroceder, já que uma parcela da população que era beneficiada pelo auxílio volta a buscar trabalho e entra para a estatística.

Na estimativa da economista da FGV, se todos que fazem parte da força de trabalho estivessem procurando emprego, a taxa de desocupação seria de 25% hoje. “A expectativa de encontrar emprego no futuro está mais difícil. Se encontrar, é com um salário mais baixo. E com a inflação corroendo o poder de compra”, afirma Matos.

Inflação deve persistir

No ano em que os brasileiros se assustaram com os preços dos alimentos, o IPCA-15, uma prévia da inflação, fechou em alta de 4,23%, o maior avanço desde 2016. E foi justamente o grupo alimentação e bebidas – o que mais afeta os mais pobres – que mais pesou, com alta de 14,36%, a maior em 18 anos. O preço do arroz, o vilão da vez, avançou mais de 72%.

Em 2021, a expectativa é de uma participação menor dos alimentos na composição da inflação, embora ainda deva haver pressão sobre os preços desses produtos, de acordo com o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor, da FGV.

Por outro lado, deve pesar mais a inflação dos serviços e dos preços administrados, como transportes públicos. Alguns reajustes foram adiados diante da pandemia, como os planos de saúde, mas passam a pesar no bolso novamente. As medianas das expectativas para o aumento dos preços administrados em 2020 e 2021 atingiram, respectivamente, 2,33% e 4,27%, segundo a última sondagem do Banco Central.

Endividamento maior e ajuste fiscal

Além de inflação e desemprego, 2021 herda um endividamento maior. A dívida bruta do governo geral saiu de 75,8% do PIB em 2019 para uma estimativa de 94,4% ao final de 2020, conforme relatório do Tesouro Nacional.

O impacto fiscal das medidas de enfrentamento da pandemia no resultado primário é estimado em R$ 620,5 bilhões, segundo a Secretaria da Fazenda. Essa despesa mais vultosa do governo federal em 2020 foi possível por conta do estado de calamidade que se instalou diante da pandemia, e que permitiu quebrar a regra do teto de gastos.

Diante da vulnerabilidade de parte da população e das empresas, além da necessidade de incentivar o consumo, as medidas de estímulo são tidas como acertadas por grande parte dos economistas, e fizeram parte do receituário de muitos países. Mas seguir com os estímulos e quebrando regras como a do teto de gastos em 2021 está longe de ser uma unanimidade.

Enquanto alguns economistas acreditam que é preciso romper com medidas mais severas de ajuste fiscal diante do contexto de desemprego e redução de renda, outros acham que isso seria uma ameaça à própria recuperação econômica, dianto do aumento do risco de insolvência do governo.

“Gastar sem ter de onde tirar pode ser uma saída política, mas pode ser muito ruim para economia. A gente tem uma fragilidade porque tem déficit há muitos anos”, avalia Matos. “É importante distribuir renda, mas concentrar todo mês R$ 600 sem saber quanto tempo ia durar a pandemia… a gente achou que iam ser cem metros, mas foi uma maratona, e nosso cobertor é curto”, diz a economista.

O caminho para o ajuste fiscal passa por Brasília e demanda articulação política. Entre as medidas mais discutidas está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, de 2019, que cria mecanismos de controle de despesas para União, Estados e municípios. A apresentação do parecer do relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), prevista para dezembro, no entanto, acabou adiada para 2021 por falta de consenso, segundo o próprio parlamentar. Também ficaram para o ano que vem reformas como a administrativa e a tributária.

Por Larissa Linder, da Deutsche Welle

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