Brasil

Sob influência do El Niño, Pantanal sofre com incêndios

Bioma do Fogo que ainda se recupera de devastação registrada em 2020

Antes mesmo de chegar ao fim, o atual mês entra para a história do Pantanal como o novembro com o maior número de incêndios já registrados no bioma. Desde o início do mês até esta segunda-feira (20/11), quase 4 mil focos de calor foram detectados pelos satélites do sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número é 67% maior que o antigo recorde, registrado em 2002.

As queimadas se espalharam por uma vegetação ainda em recuperação, atingida brutalmente em 2020 , na temporada mais letal já registrada pelo programa do Inpe, iniciado em 1998.

“Estamos sofrendo muito. A fumaça invade, causa doenças pulmonares. O Pantanal não é só fauna e flora. Ele não é importante apenas para visitação, para turismo, mas também para as comunidades tradicionais que habitam o bioma tradicionalmente”, diz à DW Laura Silva, liderança no Quilombo Mata Cavalos, no Mato Grosso.

Brigadistas do ICMBio atuam no combate ao fogo no Pantanal (Joédson Alves/Agência Brasil)

O fogo se espalha num ambiente abatido pela escassez de água. Comunidades pantaneiras ouvidas pela DW relatam dificuldades para manter os plantios de subsistência, como arroz, feijão, milho, mandioca e verduras. O cultivar que oferece, muitas vezes, é devorado por animais em busca de alimento.

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Para cientistas que estudam na região, o ano de 2023 é atípico. O El Niño , característico do clima cíclico caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Pacífico, contribui para deixar a região mais seca e propensa ao fogo. “Em novembro a chuva começa a se instalar, os leitos dos rios começam a encher. Mas até agora, nada. Isso nos leva a crer que podemos chegar a uma situação de calamidade”, analisa Leandro Battirola, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Na outra ponta do Pantanal, em Campo Grande, Danilo Bandini, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), também se preocupa com o cenário que se desenrola. “Não sabemos quanto tempo vai durar esta estiagem. A estação de fogo no Pantanal atrasou, queimou pouco de agosto a outubro, que normalmente são os meses que mais queimam. Novembro teve esse grande aumento, pode ser que isso vá mais longe”, afirma .

Pantanal em colapso

Cobra encontrada morta no Pantanal (Joédson Alves/Agência Brasil)

O Pantanal é a maior barreira alagável contínua do planeta, com 140 mil km2 de área distribuída entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de se estender por partes da Bolívia e Paraguai.

Embora o bioma tenha evoluído com a presença do fogo, os grandes incêndios estão se tornando um problema. “Num evento de fogo normal, a queima acontece principalmente de gramíneas. As estruturas de rebrota das plantas ficam preservadas. Num evento muito extremo, o fogo atinge temperaturas muito elevadas, às vezes torra a planta inteira”, explica Bandini.

Em 2020, mais de 22 mil focos de incêndio destruíram cerca de 40 mil km2 do bioma – mais de dez vezes o tamanho da capital Cuiabá (MT), uma das portas de entrada para o Pantanal. Até o momento, aproximadamente 10 mil km2 foram consumidos na temporada atual.

“Não deu tempo de o bioma se recuperar daquela tragédia de 2020”, lamenta Marcelo Saccardi Biudes, pesquisador da UFMT que estuda os eventos climáticos extremos na região.

Nos anos que se seguiram, 2021 e 2022, a queda dos focos de calor registrados também está relacionada à falta de material combustível para combustão. Grande parte da vegetação havia sido destruída. O que restou – ou o que rebrotou – corre o risco de queimadura com mais facilidade devido à seca prolongada deste ano.

“Os incêndios não começam do nada. Eles têm nome. É preciso achar os inseguros para que sejam punidos”, alerta a quilombola Laura Silva, que recebe ameaças de morte por defender o território onde vive com outras 174 famílias.

Água: conta no vermelho

Brigadistas do ICMBio atuam em área do Pantanal atingida pelo fogo (Joédson Alves/Agência Brasil)

Nas últimas duas décadas, o Pantanal entrou no vermelho quando se considerou o balanço hídrico: o quanto de água “entrou” via chuvas menos o quanto “saiu” pela evapotranspiração, que considera a transpiração das plantas e do solo. Um estudo recente publicado pela equipe de Biudes mostrou que, de 2000 a 2019, a taxa de evapotranspiração no Pantanal aumentou consideravelmente, ou seja, o bioma está perdendo agora mais água para a atmosfera do que antes.

“O bioma sofreu mudanças significativas no uso e cobertura da terra durante as últimas décadas devido ao desmatamento e aos incêndios florestais. Essas mudanças podem afetar diretamente a troca de massa e energia próxima à superfície e, consequentemente, a evapotranspiração”, diz o artigo publicado na revista científica Sensoriamento Remoto .

Um outro estudo mostrou que os eventos climáticos extremos estão ficando mais frequentes na região. “Nós observamos a diminuição das chuvas e o aumento da temperatura em todo estado de Mato Grosso”, detalha Biudes.

Por conta deste cenário, o processo de desertificação já começou em algumas áreas. A maior barreira alagável da globo pode estar secando num processo sem retorno. “Estamos colhendo promessas de que isso já está acontecendo em algumas partes”, alerta o pesquisador.

Cenários futuros sombrios

Neste contexto de mudanças climáticas em variações climáticas, uma simulação de cenários para o Pantanal aponta um futuro sombrio. Uma pesquisa, feita durante o mestrado de Filipe Henrique Miranda Ferreira no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) analisou o que pode acontecer na bacia do Alto Paraguai, entrada do Pantanal, à medida que a temperatura global sobe.

“O resultado é assustador: redução média de cerca de 40% na vazão média, considerando tanto meses típicos de cheia quanto de seca”, explica Wilson Cabral, pesquisador do ITA que orientou a pesquisa.

Com menos água na bacia ao longo de todo o ano, o transporte comercial ficaria assustador, assim como o custo-benefício das diversas pequenas centrais hidrelétricas já implantadas ou projetadas na bacia, pontua o cientista.

Cabral também assina um outro estudo que mostra como o projeto de navegação conhecido como Hidrovia Paraguai-Paraná pode ameaçar o Pantanal. A via, implantada por trechos separados, pretende aprofundar o canal natural do rio Paraguai e servirá principalmente para o transporte de soja, açúcar, milho, cimento e ferro das áreas de produção do Brasil, Paraguai e Bolívia até os portos oceânicos do Rio da Prata .

Segundo os cientistas, as alterações no canal desconectariam o rio de sua barreira de inundação, encurtariam o período de inundação e diminuiriam a área úmida, o que colocaria em xeque o Pantanal. “Entre 2019 e 2021, a navegação foi impossível mesmo nos trechos já aprofundados do rio Paraguai entre Corumbá e Assunção durante longos períodos do ano”, argumentam os autores do estudo.

Alta sensibilidade

Embora o Pantanal tenha apenas 5% de sua área dentro de unidades de conservação, a região conta com vastos trechos bem preservados, afirma Battirola. “Isso tem tudo a ver com próprio contexto histórico, com uso sustentável dos recursos pantaneiros. O Pantanal oferece uma pastagem natural nutritiva muito bem usada para pecuária. Apesar disso, é um dos biomas mais sensíveis”, pontua.

O equilíbrio, ressalta o pesquisador, depende muito de fatores externos como uso da região do entorno, avanço da fronteira agrícola, pecuária, mineração e grandes empreendimentos que estão na borda do bioma.

Bandini lembra que, com as mudanças climáticas, os eventos extremos se tornam cada vez mais comuns: “A atual onda de calor e a seca extrema são amostras do que pode ser o novo normal. Estamos fazendo um pouco e muito tarde para desacelerar esse processo”, lamentação.

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