Após esfaquear jovem em abordagem, PMs ameaçaram a vítima, diz testemunha
Segundo a mãe, jovem de 18 anos levou 45 pontos após ser esfaqueado na mão por PMs na Favela do Moinho, centro de SP; Corregedoria investiga ação
Moradores da Favela do Moinho, no centro da cidade de São Paulo, relatam ameaças de PMs enquanto médicos atendiam um jovem que foi esfaqueado em uma das mãos por um policial do 5º Batalhão do Canil, na tarde desta quinta-feira (2/7).
Os policiais teriam ido ao local para uma ação de rotina, como explica a Secretaria da Segurança Pública, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), e entrado em uma casa após um dos cães farejadores identificar droga. Na residência, sustentam, havia um homem que fugiu pelo telhado.
A versão dos moradores é de que o rapaz estava dormindo, os PMs o acordaram e ameaçaram. Depois, ainda teriam ferido uma das mãos com um facão.
Os moradores tentaram socorrê-lo e levá-lo de carro até a Santa Casa, também localizada no centro da capital paulista, mas os policiais teriam atrasado o socorro. Minutos depois, conseguiram. Lá, conta um deles, os policiais ameaçaram o rapaz.
“Os PMs foram até ele no hospital, fizeram gesto e balançaram a cabeça como se dissessem ‘toma cuidado’. E ele pediu para os enfermeiros tirarem ele de lá”, conta o amigo. Sob condição de anonimato, familiares contaram que o jovem levou 45 pontos na mão direita e corre o risco de perder os movimentos dos dedos.
O familiar conta que um PM estava no hospital também sendo socorrido e questiona a declaração da SSP de que ele tinha se machucado ao cair da casa ao se atirar junto do jovem morador do Moinho. “Um dos PMs estava machucado, mas acho que propositalmente. Era na boca, como se fosse um soco. Nenhum morador vai ter coragem de dar um soco em PM armado”, diz.
O amigo da vítima da agressão registrou parte da ação. Depois de ter sido agredido, o jovem teria se jogado do segundo andar da casa com medo dos policiais, conforme relata a testemunha.
Eram por volta de 17h quando os policiais invadiram a casa pelos fundos, como conta a moradora do local, Maria Cristina Goes dos Santos, 55 anos. O rapaz agredido é seu filho. “O menino estava dentro de casa. Vem aqui e querem matar meu filho sem ter feito nada? Pegaram ele dormindo. Não aceito isso”, lamenta a mãe.
Uma hora depois da ação policial, a Ponte esteve no local e registrou sangue no chão e na parede em que o rapaz se apoiou antes de se jogar. O homem que registrou as cenas e o pedido de socorro teve o celular tomado por um policial. O PM teria apagado as imagens.
Na tarde desta sexta-feira (3/7), policiais da Corregedoria da PM estiveram na Favela do Moinho para coletar relatos de moradores sobre ação do 5º Batalhão do Canil na quinta-feira (4/5).
“Estava dando depoimento e pediram para eu reconhecer, mas no vídeo que me mostraram não estava o policial que pegou meu celular”, conta o jovem, que terá a identidade preservada por questões de segurança.
Ouvidoria pede que Corregedoria da PM investigue o caso
Ainda na noite de quinta-feira, o ouvidor da Polícia, Elizeu Soares Lopes, esteve na Favela do Moinho para ouvir os relatos dos moradores. Nesta sexta, Lopes solicitou à Corregedoria que o órgão de controle da ação policial fique responsável pela investigação do que ocorreu na favela e não o batalhão responsável pelos PMs que ali estiveram.
“Há relatos de uma senhora que diz que seu filho estava dormindo quando policiais invadiram sua casa à procura de drogas […] Outra vítima seria uma criança cadeirante, que foi mordida por um cão da polícia”, diz documento da Ouvidoria encaminhado à Corregedoria.
A Favela do Moinho tem um histórico de rotina de violência policial. Em maio deste ano, policiais invadiram casas e agrediram moradores. Um mês antes houve um protesto contra agressões cometidas por policiais, tendo como resposta repressão por parte da tropa.
No dia 27 de junho de 2017, uma ação da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da PM, terminou com a morte de Leandro de Souza Santos, 18 anos.
Testemunhas relatam que dois policiais participaram da tortura e execução de Leandro. O ato de tortura teria durado cerca de 30 minutos, enquanto a PM sustenta que o rapaz teria trocado tiros com os policiais.
Questionada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública de SP, por meio de sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, explicou que “a Corregedoria da Polícia Militar instaurou um IPM (Inquérito Policial Militar) para apurar a ocorrência na comunidade do Moinho, na última quinta-feira (2/7), e todos os fatos relacionados”.
A resposta dada à Ponte não responde quantas pessoas foram ouvidas e se a Corregedoria encontrou vestígios ou provas de irregularidades cometidas pelos policiais do 5º Batalhão do Canil.
Por meio de sua assessoria, a PM confirmou a ação da Corregedoria no Moinho. “Se comprovada qualquer irregularidade, os envolvidos responderão por seus atos nos termos da lei”, assegura.
Por Arthur Stabile – Repórter da Ponte