Mesmo com prova de inocência, ajudante ficou 149 dias preso
Por Paloma Vasconcelos
Rafael Ribeiro Santana ficou 149 dias preso sob suspeita de furtar celular; mesmo com provas de que na hora do crime estava trabalhando
Foram 4 meses e 27 dias longe da família. Nesta sexta-feira (13/12), depois de 149 dias de muita luta da família para provar sua inocência, Rafael Ribeiro Santana, 27 anos, deixou o CDP (Centro de Detenção Provisória) 4 de Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo, por volta das 14h40. Às 14h50, esposa, filho e irmã do jovem chegaram o local para, finalmente, abraça-lo em liberdade.
A liberdade provisória de Rafael foi concedida depois da última audiência de instrução do caso, responsável por coletar provas para o processo, como ouvir depoimentos de vítimas, testemunhas e dos suspeitos, na última quinta-feira (12/12), na 13ª Vara Criminal do Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da cidade de São Paulo.
Os áudios das testemunhas que já haviam dado depoimento sobre o caso de Rafael estavam corrompidos, por isso a prova terá que ser coletada novamente. Diante disso, a juíza Erika Fernandes Fortes considerou que havia expirado o prazo para Rafael seguir preso e concedeu liberdade provisória ao jovem. Uma nova audiência, para coletar os depoimentos novamente, foi marcada para 6 de abril de 2020.
A mãe da vítima também mudou o seu depoimento nos últimos dias. Antes a mulher dava certeza de que Rafael era o autor do furto. Mas, no dia do reconhecimento, em 3 de dezembro, em São José do Rio Preto (interior de SP), onde mora, ela apontou que Rafael tinha, sim, o perfil igual ao do assaltante, mas considerou que ele estava “mais gordo” do que na época.
Em entrevista à Ponte, assim que saiu do CDP de Pinheiros, Rafael contou como é a sensação de ser libertado. “Foi bem difícil ficar longe da minha família, do meu filho, mas aos poucos eu fui buscando forças pra superar tudo isso. Foi bastante corrido para minha família ficar aqui fora para provar minha inocência”.
Rafael foi preso no dia 17 de julho, acusado de furtar o celular de uma criança de 10 anos no Parque da Independência, localizado no bairro do Ipiranga, na zona sul da cidade de São Paulo. Na ocasião, o jovem, que trabalhava como ajudante, estava trabalhando para um dos seus chefes, que tem uma barraca de cachorro-quente no parque, quando foi apontado como suspeito de furtar o celular. Desde o primeiro momento Rafael e outras testemunhas defendem sua inocência.
Vídeos anexados ao processo mostraram quando ele estava em um supermercado na hora em que o crime teria acontecido, enquanto imagens registraram a abordagem da vítima e de um PM à paisana, Paulo Eduardo Lombardi, namorado da vítima do crime, que trabalha no 17º BPM/I (Batalhão de Polícia Militar do Interior), localizado na cidade de São José do Rio Preto, interior do estado.
A versão dos familiares e da defesa do jovem é de que há duas provas que podem ajudar a provar sua inocência porque o colocam distante do parque no momento exato do furto: uma nota fiscal e vídeos de câmeras de segurança. Um vídeo do circuito interno de um supermercado da região, cerca de 1,6 quilômetro de distância do parque, mostra que Rafael estava na fila do caixa por volta das 14h25 daquele dia.
As cenas mostram Rafael chegando no estabelecimento de bicicleta às 14h25, do dia 17 de julho. Dois minutos depois, ele entra na loja, vai para o setor onde ficam as salsichas e, às 14h29, está no caixa com um saco grande do produto. Paga os R$ 21,87 que custam a salsicha mais R$ 0,20 cobrados por duas sacolinhas nas quais leva o produto, um reforço para que os mantimentos não caiam enquanto ele pedala.
Um minuto mais tarde, o jovem negro aparece em cima da bike e toma o mesmo destino do qual veio: o do Parque da Independência, trajeto feito em 8 minutos em bicicleta. Às 14h34, o celular de uma criança de 10 anos era roubado no parque.
Rafael relembra o dia da prisão e comenta o vídeo que mostra o momento em que o casal o aborda. “Eu fiquei parado para provar minha inocência, mas eu só consegui provar isso agora. Eu tava com a consciência limpa, não tinha porque sair dali. Em momento nenhum ali eu pensei em sair, em nenhum momento eu mostrei que era suspeito, por isso fiquei parado no local”, explica o jovem à Ponte.
Nos últimos quase cinco meses, Rafael perdeu datas especiais. Seu aniversário e o Dia dos Pais, em agosto; em novembro, o aniversário de dois anos do filho Byran. “Eu estava há mais de um mês sem ver meu filho. A data que mais pesou para mim foi passar o aniversário longe dele. Me trouxeram as fotos depois e foi assim que eu consegui superar. Passei Dia dos Pais e o meu aniversário longe deles, mas o mais triste foi o aniversário dele”.
O caminho de volta para casa, desde o fim da audiência, foi longo. Durante a manhã, a família estava expectativa sobre qual seria o horário e de qual presídio Rafael seria libertado, uma vez que ele cumpriu parte da detenção no CDP 2 de Guarulhos (Grande São Paulo), mas, depois da audiência, foi encaminhado para o CDP 4 de Pinheiros.
Por volta das 15h, Rafael e sua família foram para a Vila Monumento, na zona sul da cidade, onde moram. Com o trânsito, demoraram cerca de duas horas para chegar ao local.
No carro, de volta para casa, a família relembrava momentos da infância de Rafael, que tem o apelido de Sabota, por ser o mais bagunceiro da turma. Companheira e irmã também atualizavam o jovem sobre as novidades do bairro e da família nesse tempo em que ele ficou preso.
Rafael só queria chegar em casa, tomar um banho e comer cinco hot dogs, já que estava sem comer desde o horário da audiência no dia anterior. Mas, assim que chegou em casa, foi recepcionado pelos sobrinhos e pela tia, que abraçavam o jovem com muita saudade. “Tô aliviado, tô calmo. Agora é seguir a vida, arrumar um emprego”, disse Rafael assim que entrou em casa.
Emocionada, Beatriz Andrade, 19 anos, companheira de Rafael, enfatizou: “Agora acabou o sofrimento. Vamos conseguir curtir o fim de ano juntos. É o melhor presente que a gente ganhou de Natal é ter ele aqui”.
A jovem conta que ficou sem comer e dormir nas últimas 24 horas esperando o momento de ter o companheiro em casa novamente. “Foi uma agonia. Fiquei muito ansiosa, sem conseguir fazer nada, só pensar em ter ele em casa e graças a Deus isso acabou”.
A irmã mais velha de Rafael, Daiane Ribeiro Santana, 32 anos, que encabeçou a luta por justiça pela prisão do irmão, conta que a ficha demorou para cair. “Só caiu mesmo quando eu abracei e beijei ele”.
Ela explicou à Ponte o sentimento de ter o irmão em casa: “alegria, alegria, alegria”. “A liberdade não tem preço não. Não tem preço a felicidade de ter o meu irmão em casa, não cabe no peito. Ver os meus filhos felizes, os sobrinhos dele felizes, o filho, minha mãe, a esposa. Agora é recomeçar do zero, a vida segue só para frente, temos que pensar no futuro”, desabafa Daiane.
*Esta reportagem foi publicada originalmente neste link: https://ponte.org/ajudante-negro-deixa-a-prisao-depois-de-reportagem-da-ponte/