Mesmo com oxigênio enviado por outros Estados, pacientes são mantidos vivos por ventilação manual
Nem a estruturada Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, criada há mais de quatro décadas, escapa da crise em Manaus provocada pela falta de oxigênio. “Eu me formei há 47 anos, passei por algumas epidemias aqui no estado, mas nunca tinha visto algo dessa natureza. O pior de tudo é a sensação de impotência”, desabafa o diretor Marcus Vinítius de Farias Guerra.
O aumento em 150% de sua capacidade desde janeiro para atender pacientes com covid-19 não foi suficiente. Voltados até então para tratar pacientes de HIV infectados com o novo coronavírus, a fundação teve que receber qualquer um que chega pedindo socorro.
Todos os leitos estão lotados, o setor de emergência também abriga doentes por covid-19, e novos casos não param de surgir. Muitos estão em estado grave e precisam do reforço externo para respirar.
O tanque de oxigênio do hospital não foi reabastecido. Alguns cilindros, com capacidade menor de armazenamento, chegaram de outros estados transportados pela Força Aérea.
As balas de oxigênio estão interligadas por uma tubulação no hospital, e todas saídas do gás foram inspecionadas. O mínimo desperdício pode custar uma vida.
“O tanque seria suficiente para abastecer os pacientes por quatro dias. As balas são suficientes por algumas horas”, detalha Guerra. “Quando acabar, não sabemos o que vai acontecer. Enquanto isso estamos correndo atrás de outros cilindros”.
Nos postos públicos de saúde e nos hospitais da rede privada, a lotação não é diferente. A cidade de Manaus conta com apenas um fornecedor de oxigênio, a empresa White Martins. O agravamento da pandemia no estado fez com que o consumo do gás essencial à vida humana produzido artificialmente seja cinco vezes maior que a capacidade da unidade local.
“O oxigênio acabou”
Na rede particular, os pronto-socorros estão fechados, sem condições de atender, informou o sindicato que representa hospitais, clínicas e demais serviços de saúde do setor privado. Em todo o estado, 500 mil pessoas pagam por um plano de saúde.
Dois hospitais, dos 12 da rede, entraram com ações judiciais para garantir o abastecimento e aumento de volume de oxigênio. “As UTIS oscilam a ocupação entre 95% a 100%. Todos aumentaram a capacidade de leitos, mas rapidamente lotaram”, informou à DW.
O cenário é pior para a rede pública nesse momento. Do hospital Getúlio Vargas, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), há relatos de cenas de horror, como numa guerra. Com o suprimento zerado, funcionários tentaram de tudo para manter pacientes vivos por meio de ventilação manual.
“Isso gerou um grande estresse, um grande problema, porque ficar fazendo isso manualmente por horas e horas a fio sem perspectiva de resolver é inviável do ponto de vista físico e emocional”, afirma Mário Vianna, presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam). As mãos do executor da ventilação manual entram em estafa, sentem cãibra, e a vida do paciente fica por um sopro.
Vianna confirma que os cilindros que vêm de outros estados não bastam. “Eles chegam e acabam. Chegam e acabam. Os cilindros não têm grande capacidade. As centrais de oxigênio dos hospitais são tanques enormes”, explica.
Enfermeiros, que preferem não ter o nome revelado, contam sobre o desespero de pessoas em frente aos postos de saúde e hospitais que aguardam informações de familiares. “Como eu vou dizer para essa pessoa que o familiar dele morreu porque o oxigênio acabou? É desolador, nunca imaginei passar por isso”, descreve.
“Política negacionista”
Como forma de amenizar a crise, o estado iniciou na manhã desta sexta-feira (15/01) o transporte de mais de 200 pacientes de covid-19 para outros estados. Até o governo da Venezuela ofereceu ajuda.
Por decreto estadual, um toque de recolher para evitar aglomerações foi imposto na quinta. Entre 19h e 6h, ninguém está autorizado a circular pelas ruas, excesso trabalhadores de serviços essenciais. Apenas farmácias podem funcionar.
Enquanto isso, a capital Manaus, que recebe todos os casos graves do vasto estado, tem batido recorde de enterros. Só na quinta, foram 186. Em todo o Brasil, mais de 207 mil pessoas já morreram de covid-19 desde o início da pandemia.
“A politica negacionista do governo que sabotou as politicas públicas para conter o vírus provocou um tragédia sem precedentes. E as consequências são terríveis. Em Manaus está faltando leitos e oxigênio para atender as pacientes mais graves. Os profissionais de saúde denunciam que os doentes em estado grave estão morrendo por falta de oxigênio”, afirma Moacir Lopes, diretor da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Assistência Social (Fenasps).
Para Marcus Vinítius de Farias Guerra, diretor da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, a situação nunca foi confortável desde o início da pandemia. A queda no número de casos nos meses passados trouxe uma falsa sensação de alívio.
“Depois do processo eleitoral, os feriados de festas de final ano em que houve flexibilização, as pessoas entenderam como liberação. A cidade ficou lotada de gente. Isso resultou nesse número excessivo de pacientes internados com forma grave, com baixa saturação e que necessitam de oxigênio”, avalia.
Sem ter como resolver definitivamente a crise, Guerra tenta de tudo para cuidar dos pacientes e de toda a equipe – muitos estão infectados por covid-19 e internados no hospital. “Você ajeita uma situação na área física e instrumental e daí falta oxigênio. Não ter um leito já é difícil demais, dói não poder servir alguém que está precisando. Mas não ter oxigênio é infinitamente pior”, diz à DW.
Por Nádia Pontes, da Deutsche Welle