Brasil tenta destravar carga de ingredientes das vacinas
O atraso na importação de ingredientes produzidos na China e essenciais para a distribuição no Brasil das duas vacinas já aprovadas no país – a Coronavac e a de Oxford/AstraZeneca – ameaça a continuidade do programa de imunização e mobilizou autoridades brasileiras de diferentes níveis para tentar resolver o impasse, ainda sem solução à vista.
Estão parados na China, aguardando a liberação de Pequim, carregamentos do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da Coronavac, usado pelo Instituto Butantan para elaborar o imunizante em São Paulo, e o da vacina de Oxford/AstraZeneca, que será processada e distribuída pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro.
O Butantan já zerou seu estoque para produzir novas doses, e devido ao atraso a Fiocruz adiou de 8 de fevereiro para março a entrega inicial do seu imunizante. A situação ficou mais dramática após o fracasso do governo brasileiro em tentar importar 2 milhões de doses prontas da vacina de Oxford/AstraZeneca feitas na Índia.
Fontes diplomáticas ouvidas pelo site G1 e pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo afirmam que o atraso envolve questões burocráticas e diplomáticas e que a relação do governo de Jair Bolsonaro com Pequim está desgastada devido a inúmeros ataques do presidente e de seu entorno ao país asiático. Se o problema não for solucionado, a aplicação de vacinas no Brasil pode ter que ser interrompida em fevereiro por falta de doses.
Na quarta-feira (20/01) de manhã, Bolsonaro cobrou de ministros que buscassem uma solução para o caso. Depois, participaram de uma videoconferência com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, os ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, da Agricultura, Tereza Cristina, e das Comunicações, Fábio Faria. Bolsonaro também solicitou uma conversa telefônica com o presidente da China, Xi Jinping, ainda sem data para ocorrer.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, está afastado da interlocução com os chineses, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. O chanceler já se referiu ao coronavírus como “comunavírus” e saiu em defesa do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), quando ele insinuou que o governo chinês usaria a tecnologia 5G da empresa Huawei para promover “espionagem” no país – o leilão do 5G no Brasil ainda não ocorreu e é de grande interesse para Pequim.
Também entraram no circuito para liberar a exportação dos IFAs para o Brasil o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que conversou com o embaixador chinês na quarta-feira, e o governador de São Paulo, João Doria, que mobilizou o escritório do governo paulista em Xangai para atuar no caso.
Embaixada da China diz buscar solução
Após a reunião com os ministros Pazuello, Cristina e Faria, a embaixada chinesa no Brasil publicou mensagem em rede social afirmando que “a China continuará unida ao Brasil no combate à pandemia para superar em conjunto os desafios colocados pela pandemia”. Não foram divulgados detalhes da conversa.
Maia, que dialogou com Wanming separadamente, afirmou que o embaixador chinês disse que o atraso no envio do IFA ao Brasil decorria de obstáculos técnicos e não políticos. “Ele disse que trabalha junto ao governo chinês para que a gente possa acelerar – a exportação no nosso caso – desses insumos para que possamos restabelecer logo a produção”, afirmou o presidente da Câmara.
Já o governador de São Paulo, João Doria, disse, na quarta-feira, que o “mal-estar claro do governo chinês com o governo brasileiro” estava contribuindo para o atraso no envio do IFA. Segundo o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, a única autorização que falta para a exportação do ingrediente da Coronavac é a do Ministro das Relações Exteriores da China.
Após as manifestações de Maia e Doria sobre o caso, o Palácio do Planalto afirmou em nota que o governo federal “é o único interlocutor oficial com o governo chinês”.
O Butantan aguara a liberação de um lote de 5,4 mil litros do insumo, que seriam suficientes para produzir cerca de 5 milhões de doses da Coronavac. Já a AstraZeneca espera começar a receber duas remessas mensais do IFA, que seriam suficientes para produzir 3,5 milhões de doses por semana.
Araújo nega problema político
Enquanto os ministros do governo se reuninam com o embaixador da China, o chanceler Araújo participou de reunião virtual com deputados da comissão externa da Câmara que avalia o combate à pandemia e negou que as dificuldades para importar doses da vacinas e o IFA sejam consequência de problemas políticos ou diplomáticos.
“Nós não identificamos nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China. (…) Nem nós do Itamaraty, aqui de Brasília, nem a nossa embaixada em Pequim nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política e diplomática”, afirmou.
Para o chefe do Itamaraty, os atrasos se devem à demanda alta pelos insumos em todo o mundo neste momento. Ele não deu prazos para resolver a questão e apenas disse que o tema “está bem encaminhado” e que ele conduz pessoalmente as conversas com autoridades da Índia. Araújo afirmou que o país asiático é imenso e também está em campanha de vacinação, o que tornava o tema “sensível”.
Doses prontas da Índia
A frustração do plano do governo federal de trazer 2 milhões de doses prontas da Índia está ligada não só à prioridade de Nova Déli para vacinar sua população, mas também a uma decisão tomada por Brasília em outubro do ano passado de não apoiar o país asiático em seu pedido de suspensão temporária das patentes de suprimentos e vacinas para o combate à covid-19, feito à Organização Mundial de Comércio (OMC), segundo informou o site G1.
O Brasil foi contra a quebra de patentes e se alinhou aos Estados Unidos, à União Europeia e ao Japão, enfraquecendo a posição da Índia na OMC, o que provocou esfriamento da relação diplomática entre os dois países. O governo da Índia começará a exportar nesta quarta doses prontas da vacina para alguns países, mas o Brasil não está na lista.
Há também irritação na Índia com a publicidade dada pelo governo Bolsonaro à sua tentativa de comprar vacinas do país antes que o negócio tivesse sido fechado, o que envolveu até o adesivamento do avião que sairia do Brasil para buscar imunizantes.
No caso da China, o país sofreu diversos ataques de integrantes do governo Bolsonaro desde o início da atual gestão. O próprio presidente afirmou, em outubro, que não compraria a Coronavac. Seu filho Eduardo faz provocações frequentes à China, culpou o país pela pandemia e insistiu que o uso de tecnologia chinesa na rede 5G no Brasil favoreceria a “espionagem” pelo país asiático. Abraham Weintraub, quando era ministro da Educação, disse que via alta probabilidade de novas pandemias começarem na China, pois os habitantes do país comiam “tudo o que o sol ilumina”, e ridicularizou o sotaque dos chineses que falam português e trocam as letras R por L.
Por Bruno Lupion, da Deutsche Welle