Denúncia: PMs rasgam dinheiro de negros em abordagens
Ao menos duas pessoas relatam que foram abordadas por policiais em SP voltando do trabalho e tiveram o dinheiro destruído; ‘isso é racismo’, diz uma das vítimas
Ao menos duas pessoas foram abordadas recentemente pela Polícia Militar, sofreram falsas acusações e tiveram o dinheiro que guardavam no bolso rasgado. Um dos relatos é sobre uma abordagem ocorrida na noite do dia 20 de fevereiro, na zona sul de São Paulo. O ator Ronald Silveirah, 19 anos, conta ter sido agredido por policiais militares e ter parte do dinheiro destruído pelos agentes.
“Isso é questão de racismo e preconceito, só porque eu sou preto e moro na favela e estava com dinheiro no bolso eu ia comprar droga, sou traficante, sou ladrão?”, desabafa o rapaz.
À Ponte, o Ronald disse que passou duas semanas sem conseguir sair de casa por medo. Segundo o jovem, naquele dia havia recebido R$ 1.050 após ter trabalhado por 11 dias como ajudante de pedreiro em uma obra. Ele, que é ator, disse que começou a executar o serviço após não conseguir trabalho em sua área. No entanto, no momento da abordagem policial na rua Alba, região do Jabaquara, ele seguia para o curso de interpretação e cinema que faz com o objetivo de se aperfeiçoar na profissão que quer seguir.
“Quando eu estava indo para o ponto para ir para o curso, os PMs me abordaram e peguntaram para onde eu estava indo. Eu disse que para o curso. Ele perguntou onde eu estava trabalhando. Então expliquei que estava trabalhando como ajudante de pedreiro, porque não estava rolando trampo como ator”, contou.
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O jovem afirmou que, nesse instante, o tom da conversa passou a ser diferente, com o trio de policiais dizendo para ele falar a verdade e insistindo que o dinheiro que carregava era para comprar drogas.
“Fala a verdade para gente você esta indo comprar droga com esse dinheiro. Eu neguei, um deles peguntou onde eu morava e eu falei. Foi aí que ele falou: ‘tira tudo que você tem no bolso’. Tirei cartão, celular e RG”. Ronald conta que, quando novamente perguntado para onde estava indo e ao responder que para o curso, um dos PMs lhe deu tapa na rosto.
“Aí ele quebrou meu cartão, rasgou meu RG e falou: ‘se você não falar a verdade, a gente vai te esculachar’. Eles queriam porque queriam que eu dissesse que ia comprar droga”.
De origem humilde, ele conta ter lutado muito para conseguir o dinheiro para pagar o curso que custa cerca de R$ 600 por mês e também contribuir no aluguel da casa na Favela Alba, onde mora com a mãe e um irmão mais novo.
“Eu falei novamente que estava indo para o curso, foi quando o PM falou: ‘já que você não quer falar a verdade…”, e ele começou a rasgar nota por nota. Ele rasgou umas cinco notas e colocou umas rasgadas no bolso e falou a frase completa: ‘já que você não quer falar a verdade é metade para você e metade para mim’”.
O profissional de artes cênicas ainda deu mais detalhes da ação. “Colocou o RG rasgado e umas notas ragadas no meu bolso. Que eles me devolveram de notas rasgadas, eu consegui contar R$ 155. O restante do dinheiro eles pegaram e fiquei sem nada”, sustentou.
Além do terror físico, por causa da agressão no rosto, e o psicológico, ao ver parte das notas serem rasgadas e outra parte embolsada, o rapaz ainda contou ter sido ameaçado de morte.
“Depois de me bater eles falaram para eu virar de costas e sair fora. ‘Se olhar para trás a gente te dá um tiro’. Era da Força Tática. Eu sai correndo e nem olhei para trás. Chegando em casa, eu mostrei o dinheiro rasgado para minha mãe e ela perguntou o que aconteceu. Eu expliquei que os policiais me pegaram, me bateram e rasgaram meu dinheiro”.
Ronald Silveirah afirmou que, após sua mãe ter conhecimento do ocorrido, saiu para procurar os PMs. “Ela correu atrás dos policiais e pegou a placa”. Durante a conversa com a reportagem ele pediu para que a placa da viatura não fosse divulgada por temer represálias. Entretanto, confirmou ter elaborado um primeiro boletim de ocorrência pela internet para comunicar o fato do RG danificado. Agora, pretende ir junto com um advogado formalizar um novo B.O. em uma delegacia e procurar a Corregedoria da Polícia Militar para fazer a denúncia.
“Eu estou com o aluguel atrasado. Fui mandando embora porque depois do acontecido fiquei duas semanas sem sair de casa. E agora não sei o que fazer para pagar o aluguel. Se souber de algum trabalho me avisa, por favor”, suplicou.
O caso de Ronald Saraivah não foi o único ocorrido recentemente e com modus operandi bem semelhante. Um casal de moradores em situação de rua que vive em uma ocupação na região da Mooca, na zona leste, também teve o dinheiro destroçado durante uma abordagem da PM. Eles pretendiam comprar um botijão de gás, mas perderam tudo na última terça-feira (3/3).
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A história foi contada pela esposa do homem que teve notas de R$ 2 e R$ 50 destruídas ao padre Júlio Lancellotti, pároco e integrante da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. A Ponte tentou conversar com o rapaz, mas, segundo Lancellotti, ele tem muito medo de contar a história, por ter tido familiares mortos em uma cidade do interior de São Paulo após denunciar um policial.
“Ele estava com dinheiro que tinha recebido do trabalho que ele faz de limpador de para-brisa de carro no farol. Ele estava esperando o carrinho do gás, quando os policiais o abordaram”, contou.
O religioso relatou com precisão os momentos que antecederam a destruição das notas obtidas após o trabalho pelas ruas da zona leste de São Paulo. “Obrigaram ele a baixar a cabeça para ver o que tinha no bolso. Perguntaram se o dinheiro era para comprar droga, mas ele não conseguiu se explicar [devido forma intimidatória da abordagem]. Eles rasgaram e disseram para ele contar até três e desaparecer. Quando estava no dois, ele já estava longe”, mencionou padre Julio sobre o que ouviu da vítima.
“Eles têm muito medo. Ele diz que pelo horário que foi e pela circunstância, não teria como dizer quem é, e se é o mesmo PM que o abordou das outras vezes”, completou o pároco.
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo enviou a seguinte nota: “A PM esclarece que não localizou denúncias com as características mencionadas pela reportagem. As vítimas podem comparecer à Corregedoria da instituição para formalizar o registro para devida apuração de eventuais desvios na atuação dos PMs. Todos os casos são rigorosamente apurados pelo órgão e pelo Comando das áreas”.
Por Paulo Eduardo Dias – Repórter da Ponte