Presídios ficam destruídos após rebeliões
Em Tremembé e Porto Feliz, incêndio destruiu estruturas, móveis e documentos; presos recapturados foram transferidos para outras cadeias
Duas unidades prisionais de São Paulo tiveram as instalações parcialmente destruídas após a rebelião que atingiu 4 presídios nesta segunda-feira (16/3), quando 1.389 presos fugiram. Os detentos recapturados estão sendo alocados para outros presídios. Eles perderam o benefício do semiaberto e ficarão em observação para afastar sintomas de coronavírus, já que tomaram contato com ambiente externo. A SAP-SP (Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo) confirmou as transferências, mas não detalhou quais são as unidades.
As imagens mostram alas do Centro de Progressão Penitenciária de Porto Feliz e de Tremembé, de onde fugiram 218 e 584 presos, respectivamente. Segundo a pasta, os detentos que não participaram da ação estão sendo mantidos em “espaços com condição de habitabilidade”.
A pasta admite que os locais ficaram deteriorados, mas informou, em nota, que os prejuízos estão sendo contabilizados. Em Mongaguá, 577 detentos fugiram. Até a noite desta terça-feira (17/3), 611 pessoas haviam sido recapturadas, segundo a SAP. As imagens foram feitas e enviadas à Ponte pelo Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo).
Os detentos se rebelaram depois que o corregedor geral de Justiça de SP, desembargador Ricardo Anafe, atendendo a um pedido do secretário coronel Nivaldo Restivo, suspendeu as saídas temporárias (para detentos em regime semiaberto que trabalham ou estudam) alegando questão de saúde pública (leia decisão na íntegra). A previsão é que a saída temporária colocaria 34 mil detentos em circulação no mês de março e isso poderia ajudar a proliferar o coronavírus, dentro e fora do sistema prisional.
Foi a maior rebelião coordenada desde 2006, quando 74 prisões “viraram” (expressão usada para dizer que detentos tomaram conta de unidade prisional) a mando do PCC (Primeiro Comando da Capital). Em 2001, a facção foi responsável por estimular simultaneamente 29 rebeliões em presídios.
Dessa vez, o estopim foi a suspensão das saídas por causa do coronavírus. Ainda assim, a Ponte havia antecipado que a população carcerária estava em rota de colisão com o estado de SP. Denúncias de más condições na Penitenciária Federal de Brasília, onde está a cúpula do PCC, fizeram com que presos se negassem a sair para audiências na semana passada. Além disso, no intervalo de dois dias, dois agentes penitenciários foram mortos. Áudios obtidos pela Ponte mostram conversas de funcionários que indicam que as cadeias iriam “virar” a partir de domingo, após as visitas irem embora.
A reportagem apurou que os presos da Penitenciária Federal de Brasília, entre eles os apontados como integrantes da cúpula do PCC, estão incomunicáveis desde as primeiras horas da manhã da segunda-feira (16/3).
Um dos presídios onde houve registro de rebelião, o Centro de Progressão Penitenciária em Mirandópolis, é neutro, não vinculado à facção, onde há ex-PCC e presos que cumprem pena por estupro.
Embora o próprio governo de São Paulo tenha admitido que a rebelião aconteceu por causa da suspensão das saídas temporárias, a socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e autora do livro “PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência” (Saraiva, 2013) e coautora de “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil” (Todavia, 2018), alerta que nada no sistema prisional acontece “de uma hora para outra”.
“Aqui em SP o sistema prisional vem sofrendo, há algum tempo, de fortes pressões. Essas pressões têm a ver com o aumento da população carcerária, que aumenta superlotação, aumenta a precariedade dos estabelecimentos, e, tudo isso, causa a metáfora do barril de pólvora. Além dessa questão estrutural, tem a questão da transferência da cúpula do PCC, no começo do ano passado, para presídios federais”, pontuou.
Em entrevista à Ponte, Camila também destacou a greve em apoio ao PCC realizada em algumas unidades e proibição de visitas em retaliação ao movimento, ambas as situações ocorridas na semana passada.
“Juntando tudo isso, eu diria que a gota d’água foi essa proibição para que os presos saíssem em regime semiaberto. Uma medida pode fazer com que essas pressões explodam e foi isso que aconteceu”, afirmou.
Por Josmar Jozino e Maria Teresa Cruz – Repórteres da Ponte